terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Responsabilidade do Estado e morte em Centro de Internamento

Um interessante julgado do TJSC sobre a responsabilidade civil do Estado em Centro de Internamento de Menores, em caso de óbitos. Nota-se que a idéia de que ao poder público incumbiria maior resguardo por quem estivesse sobre o seu poder está crescendo. Uma dose de maturidade institucional, superando o antigo mito de que o "rei não erraria".


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2006.033017-6, de Capital

Relatora: Desembargadora Substituta Sônia Maria Schmitz

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE ADOLESCENTE EM CENTRO DE
INTERNAMENTO PROVISÓRIO. OMISSÃO.

A omissão específica estatal ao deixar de zelar pela segurança e
integridade de adolescente internado em centro provisório, dando
ensejo a graves consequências, ofende não só o paradigma da proteção
integral do vitimado, como também a esfera subjetiva daqueles
diretamente afetados pela perda.

Dano Moral. Equidade e razoabilidade.

Na ausência de critérios objetivos para mensuração do valor econômico
da compensação pelos danos morais, deve o julgador valer-se das regras
de experiência comum e bom senso, fixando-a de tal forma que não seja
irrisória, a ponto de menosprezar a dor sofrida pela vítima, ou
exagerada, tornando-se fonte de enriquecimento ilícito.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2006.033017-6, da comarca da Capital (Unidade da Fazenda Pública), em
que e apelante Ivanilde Monteiro de Jesus e outro, e apelado Estado de
Santa Catarina:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime,
conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Ivanilde Monteiro de Jesus e Adair José de Jesus ajuizaram ação de
indenização em face do Estado de Santa Catarina, sob o fundamento de
que seu filho, Adriano Monteiro de Jesus, encontrava-se internado
desde 10.01.02 no Centro Educacional São Lucas - São José/SC quando,
por volta das 02:15 h, naquelas dependências, foi torturado e morto
por outros adolescentes. Imputaram à negligência do réu a causa do
evento, porquanto seus servidores deixaram de exercer a pertinente
vigilância, resultando, via de conseqüência, violação à integridade
física do falecido. Distinguindo o sofrimento a que foram submetidos,
postularam, ao final, a compensação dos danos morais e materiais,
experimentados em 1200 (mil e duzentos) salários mínimos (fls. 02-09).

Citado, o réu contestou, defendendo aplicação da teoria subjetiva, bem
como ausência do nexo causal. Rebateu, ainda, os valores pleiteados,
instando pela improcedência do pleito (fls. 111-124).

Após a réplica (fls. 144-149) e manifestação do Representante do
Ministério Público (fl. 149 v), o Magistrado designou audiência de
instrução (fl. 150), ocasião em que foram inquiridas as testemunhas
(fls. 156-160)

Apresentadas alegações finais remissivas (fls. 251-260), o Órgão
Ministerial opinou pela procedência do pedido (fls. 261-264),
sobrevindo a r. sentença em sentido contrário (fls. 265-271).

Inconformados, os autores apelaram, pugnando pela reforma do decisum
(fls. 276-284).

Com as contrarrazões (fls. 288-294), os autos ascenderam a esta Corte,
tendo a Procuradoria Geral de Justiça consignado a desnecessidade de
sua intervenção (fls. 299-300).

É o relatório.

VOTO

Adriano Monteiro de Jesus, então com 17 anos de idade, foi encaminhado
ao Centro Educacional São Lucas, para aguardar investigações sobre
provável cometimento de violência sexual contra a irmã (10.01.02 -
fls. 24-25). Na madrugada do dia 27.01.02, os monitores da instituição
o encontraram morto na cela, sob suspeita de suicídio por
enforcamento.

Pois bem. Resta incontroverso que Adriano estava detido das
dependência do CIP (Centro de Internação Provisória). A cela, é
importante detalhar, localiza-se em pequeno corredor, cada lado
apresentando 06 quartos idênticos (4 m2), cuja comunicação com o
exterior dá-se por uma pequena abertura.

Na noite dos fatos, os adolescentes lá encarcerados passaram a jogar
lençóis de um para outro cubículo, de modo a formar uma corda e,
atingindo extensão suficiente, arremessaram-na para Adriano, que se
viu pressionado a enrolá-la no pescoço. Na sequência, três internos,
cada qual de seu cômodo, puxaram as demais pontas, acarretando-lhe
estrangulamento.

Roborram essa narrativa os documentos acostados, bem como a prova
testemunhal, comprovando, por conseguinte, a negligência e omissão do
Estado, contribuindo decisivamente para o funesto acontecimento.

Isso porque, o suposto delito praticado pelo de cujus deflagrou sérias
e graves ameaças dos demais internos ao adolescente - tanto que
culminaram na barbárie. Ora, a situação estava a exigir vigilância
permanente dos funcionários para evitar qualquer lesão física ou moral
ao adolescente, a qual acabou acontecendo. Sim, a ausência de efetivo
cuidado, aliada à conduta dos monitores da Instituição (assistiam TV),
traduziram aviltamento à segurança do interno e, sobretudo, ofensa ao
paradigma introduzido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, qual
seja, a proteção integral.

Elucidativo, a respeito, é o testemunho:

[...] Que após as 22:00 horas todos estavam trancados em seus quartos
e os internos começaram "a botar pilha" fazendo várias perguntas ao
mesmo tempo para Adriano em tom de ameaças e sem alterar a voz; Que os
internos começaram a exigir que Adriano passasse as roupas dele
através de uma corda feita com lençol amarrado e na ponta um chinelo
[...] Que isso durou em torno de uma hora e meia, sendo que os
monitores estavam assistindo televisão na sala da monitoria e não
presenciaram os fatos; que antes da meia-noite os monitores passaram a
levar os internos ao banheiro, sendo que o primeiro foi Adriano e os
internos começaram a exigir que fosse de calção baixado até os joelhos
e com a cueca "entalada na bunda", sendo que dois monitores que ali
estavam nada fizeram para impedir; Que um dos monitores ainda disse: "
no próximo plantão eu vou trazer uma calcinha vermelha da minha mulher
pra ti usar Adriano"; [...] Que todos foram fechados em seus quartos,
com cadeados , e os monitores se recolheram para a sala deles; Que os
internos fizeram um tempo de silêncio e novamente começaram a botar
pilha; Que Adriano já havia confessado antes de ir ao banheiro e
diziam para ele: " que se ele não morresse à noite, com certeza
morreria durante o dia".[...] Que o declarante viu tudo de dentro de
seu quarto[...] na tarde de sábado Adriano apanhou dos monitores na
sala da monitoria após terem achado o espeto no travesseiro dele, e
após a visita dos pais, inclusive os monitores mandaram que os
internos soltos ficassem no banheiro e aumentassem o volume da TV para
bater em Adriano [...] Que a versão de que Adriano teria machucado o
braço tentando esgaçar a porta de seu quarto não é verdadeira [...]
(R.F - fls. 191-193).

E mais:

[...] que em seguida os ofensores utilizando-se de lençois fizeram uma
"tereza",[...] de maneira que a "tereza" ficou com três pontas; que em
seguida passaram a "tereza" em volta do pescoço da vítima e Dirvo,
João e José seguraram cada qual das respectivas pontas, puxando-as;
[...] que enquanto os três puxavam as pontas do lençol os demais
observavam e incentivavam-nos a puxarem com mais força; [...] que a
vítima foi morta em seu quarto; que os monitores possuíam uma sala
onde permaneceram; que o depoente acredita situar-se entre 30e 50
metros de distância do local do ocorrido; que na oportunidade
trabalhavam três monitores [...] (R. F. - fl. 221-222).

A par disso, as peculiaridades do caso, diante da forte intimidação a
que estava submetido o adolescente, requeriam providências efetivas,
porquanto, é [...] dever do Estado zelar pela integridade física e
mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de
contenção e segurança" (art. 125 da Lei n. 8.069/90).

Diga-se, ainda, que a peculiar condição de adolescente é que justifica
toda a ordem jurídica diferenciada, especialmente no contexto do
cumprimento das medidas sócio-educativas, com maximização de sua
natureza educacional, sob pena de reproduzir tão-somente o caráter
punitivo da penalidade, o que certamente contraria os princípios
norteadores da legislação pertinente.

A propósito:

As medidas sócio-educativas comportam aspectos de natureza
coercitivos, uma vez que são punitivas aos infratores, e aspectos
educativos no sentido de proteção integral e oportunização, e do
acesso à formação e informação." (Mário Volpi. O adolescente e o ato
infracional. 4. Ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 20).

Nesse pensar, a responsabilização do Estado revela-se de rigor,
porquanto, mutatis mutandis

Na realidade, a partir da detenção do indivíduo, este é posto sob a
guarda e responsabilização das autoridades policiais, que se obrigam
pela medidas tendentes à preservação de sua integridade corporal,
protegendo-o de eventuais violências que possam ser contra ele
praticadas, seja da parte de agentes públicos, seja da parte de outros
detentos, seja, igualmente, da parte de estranhos (Yussef Said Cahali.
Responsabilidade Civil do Estado. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 398).

O confinamento de pessoa condenada pelo Estado-juiz por parte do Poder
Executivo pressupõe a entrega dessa pessoa à guarda e vigilância da
Administração Carcerária.

Desse modo, qualquer lesão que esses presos sofram por ação dos
agentes públicos, por ação de outros reclusos ou de terceiros, leva à
presunção absoluta (jure et de jure) da responsabilidade do Estado,
não admitindo a alegação de ausência de culpa. (Rui Stoco. Tratado de
Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007, p. 1167).

Desta Corte, colhe-se em reforço:

O Estado tem a incumbência de assegurar a integridade física e a saúde
dos detentos que ocupam seus estabelecimentos prisionais, o que
importa, por conseqüência, na sua responsabilidade pela reparação
integral dos danos resultantes de sevícias praticadas por policiais ou
carcereiros' (AC nº 1999.008586-4, Des. Luiz Cézar Medeiros).

Igualmente:

O Estado tem o dever de zelar pela integridade física e moral do
recluso e de fiscalizar e preservar sua segregação na prisão (CF, art.
5º, inc. XLIX), o que implica, portanto, na adoção de normas mínimas
de segurança dentro do próprio presídio no que atine ao detentos,
sejam eles provisórios ou não. Assim, a desatenção a tal preceito, o
que se identifica através de uma conduta negligente do Estado na
prestação do serviço de segurança dentro do estabelecimento prisional,
acarreta, em havendo dano, a responsabilidade do ente estatal.
Apelação Cível n. 2005.030325-5, de São Bento do Sul, Des. Nicanor da
Silveira.

Partindo dessa conclusão, assentada a responsabilidade, resta
aquilatar o quantum indenizatório que a omissão acarretou, tendo-se
que:

[...] O que se chama de 'dano moral' é, não um desfalque no
patrimônio, nem mesmo a situação onde só dificilmente se poderia
avaliar o desfalque, senão a situação onde não há ou não se verifica
diminuição alguma. [...] dano moral é empregada com sentido traslado
ou como metáfora: um estrago ou uma lesão ( este o termo jurídico
genérico), na pessoa mas não no patrimônio.[...] O dinheiro pago, por
sua vez, não poderia recompor a integridade física, psíquica ou moral
lesada. Não há correspondência nem possível compensação de valores. Os
valores ditos morais são valores de outra dimensão, irredutíveis ao
patrimonial. (Walter Moraes apud Rui Stoco. Responsabilidade Civil e
sua Interpretação Jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995, p. 457-458).

Em relação ao equivalente que daí decorre, a tarefa é das mais
tormentosas do julgador, pois ao tempo em que não pode ser considerado
irrisório, a ponto de menosprezar a dor sofrida, também não pode dar
margem ao enriquecimento ilícito.

Entre outros termos, o arbitramento há de levar em consideração "[...]
a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do
sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do
ofensor e as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias
mais que se fizerem presentes." (Sergio Cavalleri Filho. Programa de
responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 81-82),
a fim de que possa proporcionar a reparação mais abrangente possível.

A capacidade econômica das partes, como se percebe, constitui critério
a ser observado na fixação da indenização, aspecto que merece especial
distinção.

Do Superior Tribunal de Justiça, colhe-se:

Na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador
atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do
dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade
do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos
do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na
comunidade em que vive a vítima." (REsp 355392/RJ, rel. Min. Castro
Filho, DJ 17.06.02).

Nessa tessitura, diante das minudências do caso, justa se afigura
arbitrar o quantum em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), R$ 20.000,00
(vinte mil reais) para cada qual (pai e mãe), abatido o importe já
adiantado (fls. 136-137) .

Em relação à correção monetária, é cediço que, em casos de dano moral
decorrente de responsabilidade civil extracontratual, deve ter o seu
termo inicial na data da prolação da sentença.

Veja-se:

A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide
desde a data do arbitramento (STJ - Súmula 362).

E ainda:

[...] nas indenizações por dano moral, o termo inicial para a
incidência da atualização monetária é a data em que foi arbitrado o
seu valor, tendo-se em vista que, no momento, da fixação do quantum
indenizatório, o magistrado leva em consideração a expressão atual do
valor da moeda. (STJ - REsp. 832.283/MG, rel. Min. Jorge Scartezzini,
DJ 01.08.06).

Já os juros de mora devem incidir da efetivação do ato lesivo, de
acordo com a Súmula 54 do STJ: "Os juros moratórios fluem a partir do
evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual."

Quanto aos índices de correção, mudando o que deve ser mudado:

Os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC e
acrescidos de juros de 0,5% (meio por cento) a contar da data do
evento até a entrada em vigor da Lei n. 10.406/2003 - Código Civil -,
quando então deverá, nos termos de seu art. 406, incidir a Taxa Selic,
que compreende tanto os juros como o fator de correção monetária.
(TJSC, AC n. 2003.020097-5, de Brusque, rel. Des. Luiz Cézar
Medeiros).

Por fim, os honorários advocatícios devem ser arbitrados em R$ 1000,00
(mil reais), consoante o disposto no art. 20, § 4° do CPC.

Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento e provimento do recurso nos
moldes expostos.

DECISÃO

Nos termos do voto da Relatora, a Terceira Câmara de Direito Público,
por unanimidade, decidiu conhecer do recurso e dar-lhe provimento.

O julgamento, realizado no dia 16 de junho de 2009, foi presidido pelo
Desembargador Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele participou o
Desembargador Luiz Cézar Medeiros.

Florianópolis, 28 de outubro de 2009.

Sônia Maria Schmitz
Relatora

Publicado em 04/12/09

2 comentários:

  1. Caro André, bem-vindo à blogsfera!
    Já adicionei este blog em meu blog (seção juristas).
    Sua mente brilhante será bem recebida por todos os leitores. Agora, vamos divulgar o blog.
    Sucesso e abraço.
    César

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  2. Agradeço o elogio. Não o mereço, por certo. Mas, fico muito feliz com a presença do amigo. E com a perspectiva de aprendermos juntos. Grande abraço.

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