segunda-feira, 7 de junho de 2010

Decisão interessante sobre Crime de Desobediência em Portugal

Desobediência - Processo sumário - Aplicação da lei no tempo - Concurso de infracções - Cúmulo jurídico - Pena única
1 – Para que o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, do C. Penal se verifique, torna-se necessária a existência de uma disposição legal que expressamente comine a punição da desobediência (al. a)) ou, na ausência de disposição legal, uma ordem substancial e formalmente legítima, provinda de autoridade competente para a emitir (al. b).
2 – Com a Lei n.º 48/2007, de 29-08, foi eliminada do CPP a cominação legal de crime de desobediência em caso de não comparência do arguido a audiência em processo sumário (art. 387.º, n.º 2, do CPP), que foi substituída pela advertência de que aquela será realizada, mesmo que o arguido não compareça, sendo representado por defensor.
3 – E se, no domínio da redacção anterior à Lei 48/2007, se entendia que não era aplicável ao caso o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 348.º do CP – pois a legitimação do crime de desobediência decorria da al. a) daquela disposição –, então também não é defensável que a eliminação da cominação pelo referido diploma não afasta o recurso àquela al. b). Por isso, se qualquer autoridade emitisse uma ordem, suprindo a omissão legal, notificando o arguido para comparecer à audiência sob cominação do crime de desobediência, tal ordem não seria substancialmente legítima, porque não se encontrava legalmente tutelada, apesar da autoridade ser formalmente competente para a emitir.
4 – Assim, inexiste agora crime de desobediência por falta de comparência de arguido notificado a audiência de julgamento em processo sumário.
5 – Tendo havido descriminalização do crime de desobediência previsto no art. 387.º, n.º 2, do CPP, na redacção anterior à reforma de 2007, é de aplicar retroactivamente a lei penal mais favorável (art. 2.º, n.º 2, do CP) que, embora processualmente localizada, é materialmente substantiva, integrando-se no âmbito doutrinalmente considerado das normas processuais substantivas.»
6 – A pena única é determinada atendendo à soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares.
7 – Frequentemente, no escopo de obstar a disparidades injustificadas da medida da pena, essa “agravação” da pena mais grave é obtida pela adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5.
8 – Se anteriormente foram efectuados cúmulos anteriores, como era o caso, deve atender-se às respectivas penas únicas conjuntas, apesar de tais cúmulos serem desfeitos, retomando todas as penas parcelares a sua autonomia.
9 – Não há concurso entre as penas de um processo e outro posterior se o trânsito do primeiro processo é anterior ao cometimento dos factos dos restantes. Assim, as penas aplicadas nesse processo não entram no cúmulo jurídico e o cumprimento da pena única então aplicada não se confunde com a pena única correspondente aos restantes processos.
10 – Mas, face ao princípio da proibição da reformatio in pejus, uma vez que se trata de recurso trazido exclusivamente pela defesa, não pode ser agravada, por tal circunstância, a pena única fixada.
AcSTJ de 02.04.2009, proc. n.º 487/09-5, Relator: Cons. Simas Santos

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