É legal quando vemos o STJ reconhecendo o princípio da boa fé objetiva em seus julgados:
Processo
Ag 1183132
Relator(a)
Ministro HAMILTON CARVALHIDO
Data da Publicação
05/10/2009
Decisão
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.183.132 - MG (2009/0078852-1)
RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO
AGRAVANTE : MUNICÍPIO DE BELO VALE
ADVOGADO : NEWTON VASCONCELLOS PEREIRA E OUTRO(S)
AGRAVADO : ALAN AUGUSTO REIS DE MOURA
ADVOGADO : ANTÔNIO GERALDO MALTA DE MOURA
DECISÃO
Agravo de instrumento contra inadmissão de recurso especial
interposto pelo Município de Belo Vale, com fundamento no artigo
105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, impugnando
acórdão da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais, assim ementado:
"ADMINISTRATIVO - CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA IRREGULAR - BOA-FÉ OBJETIVA
- AFASTAMENTO DO ENUNCIADO 363 DO TST - DEVIDAS AS PARCELAS
SALARIAIS. O contrato de trabalho celebrado entre a administração
pública e o servidor deve ater-se às regras insculpidas no artigo
37, II e IX da Constituição Federal. No caso de contratação
irregular, os efeitos do vício serão observados 'ex nunc', pelo que,
tendo sido despendida a força de trabalho do empregado, fará ele jus
às parcelas anteriormente acordadas e garantidas por lei, como
salário dos dias trabalhados e verbas remuneratórias, indenizatórias
e rescisórias. O princípio da boa-fé objetiva deverá ser respeitado,
sendo forçoso reconhecer que é vedado à administração pública
alterar os contornos do acordo anteriormente traçado com fins de
obter vantagem da sua própria conduta irregular." (fl. 116).
(...)
O princípio da boa-fé objetiva é regido por três institutos
distintos, quais sejam: confiança jurídica; venire contra factum
propium e supressio'.
A confiança jurídica atende as relações entre a administração e o
administrado, de forma que nas relações entre eles deva prevalecer o
sentimento de segurança, de forma que o contratado acredite que os
moldes de sua contratação apresentam consonância com o sistema
jurídico. Isso significa dizer que quando da celebração do contrato
temporário de trabalho a apelada poderia supor, presumir, que não
havia ilegalidade alguma naquela contratação, mesmo porque foi
proposta pelo próprio Estado.
O 'venire contra factum proprium' veda o exercício de uma posição
jurídica contraditória àquela assumida anteriormente pelo ente
público. Este instituto consagra a vedação às partes contratantes de
tentar obter êxito mormente sua própria atuação ilegal. Neste
sentido o Município não pode lograr êxito da ilegalidade da
contratação, pelo que o não pagamento dos direitos trabalhistas - no
caso concreto férias acrescidas de um terço - enseja em hialino
enriquecimento sem causa, mormente pelo aproveitamento de uma
situação que se encontrava consolidada, e que agora somente é
trazida à tona para fins de vantagens próprias.
Por fim, o instituto da 'supressio' denota a vedação do exercício de
um direito que deixou de ser conclamado no passado.
Isto não quer dizer que a administração nunca poderá reavaliar seus
atos, pelo contrário. A autotutela sempre foi um dos pontos
primordiais na manutenção da juridicidade das relações que envolvem
o Estado. No entanto, o que não pode ser admitido é justamente a
utilização de sua própria ilegalidade como forma de enriquecimento
ou obtenção de vantagem.
Insta trasladar trecho de outro acórdão proferido pelo STJ que muito
se assemelha ao caso em debate, vejamos:
'A teoria dos atos próprios impede que a administração pública
retorne sobre os próprios passos, prejudicando os terceiros que
confiaram na regularidade do seu procedimento.
(...)
'Sabe-se que o princípio da boa-fé deve ser atendido também pela
administração pública, e até com mais razão por ela, e o seu
comportamento nas relações com os cidadãos pode ser controlado pela
teoria dos atos próprios, que não lhe permite voltar sobre os
próprios passos, depois de estabelecer situações em cuja seriedade
os cidadãos confiaram' (Recurso Especial 184.487/SP DJU 03-05-1999,
p. 153; RSTJ 120/38), Ministro Ruy Rosado de Aguiar)
No mesmo sentido já se posicionou a jurisprudência desta corte:
'DIREITO ADMINISTRATIVO - AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA CONTRA
MUNICÍPIO - SERVIDOR PÚBLICO - CONTRATAÇÃO IRREGULAR - NULIDADE -
INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 37, II E § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL -
PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - A Administração
pública tem o dever de pagar pelos serviços prestados pelo servidor,
porque restou comprovada a relação laboral entre as partes, mesmo
que irregular a contratação, por inobservância dos requisitos
previstos no artigo 37, IX, da Constituição Federal.' APELAÇÃO CÍVEL
Nº 000.256.956-4/00 - COMARCA DE BOTELHOS - APELANTE(S): 1º) JD DA
COMARCA DE BOTELHOS, PELO MUNICÍPIO DE BOTELHOS, 2º) PAULO CÉSAR DA
SILVA - APELADO(S): PAULO CÉSAR DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES.
BRANDÃO TEIXEIRA
'APELAÇÃO CÍVEL/CONTRATAÇÃO IRREGULAR/AUSÊNCIA DE CONCURSO
PÚBLICO/VIOLAÇÃO AO ART. 37, II E § 2º DA CF/IRREGULARIDADE QUE NÃO
IMPEDE O PAGAMENTOS DOS SALÁRIOS E VERBAS COMPLEMENTARES DO PERÍODO
EM QUE SE VERIFICOU A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. A contratação de
servidor pela municipalidade, sem o devido concurso público, é nula
de pleno direito, eis que viola o art. 37, inciso II, da CF.
Contudo, inobstante a irregularidade da contratação do servidor, se
a Administração Pública se beneficiou da prestação de serviço,
tornam-se devidos os salários e as verbas complementares, como
férias e 13º salário, eis que foi a própria administração a
responsável pela nulidade do contrato'. (APELAÇÃO CÍVEL Nº
000.252.438-7/00/COMARCA DE CONSELHEIRO LAFAIETE/APELANTE (S): PAULO
FERNANDO DE CARVALHO LIMA/APELADO (S): MUNICÍPIO CONSELHEIRO
LAFAIETE/RELATOR: EXMO. SR. DES. SILAS VIEIRA, DJ DE 17.09.2002).
Durante todo o pacto laboral, mesmo que eivado de irregularidades, o
empregado percebeu as devidas parcelas de cunho remuneratório, em
contrapartida do trabalho realizado em favor do apelante Assim
sendo, não existe motivo para tolher o direito do requerente, mesmo
porque, segundo os entendimentos acima mencionados a suposta
ilegalidade 'in casu' traz efeitos 'ex nunc', que jamais poderão
retroagir ferindo a segurança jurídica instaurada naquela relação
Município-empregado.
Insta salientar que no caso concreto é muito mais plausível que o
demandado/apelante comprove o pagamento dos valores em crivo, em
face da dificuldade de produção de prova negativa pelo Apelado. Não
se há de exigir a prova negativa do autor se o réu detém a prova
positiva. De fato, há de se considerar que na prefeitura constem
recibos, comprovantes de depósito, fotocópias dos contracheques ou
quaisquer outros documentos que possam elidir o suposto direito do
servidor.
O ônus da prova que se verifica no caso em crivo, realiza-se de
acordo com a previsão do artigo 333 do CPC:
'Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quando ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.
(...)'
Assim, se o réu diz que pagou, é sua a prova do pagamento, como fato
ou extintivo do direito do autor.
O documento juntado pelo Município às f. 33 comprova o pagamento do
salário base e salário família referente a dezembro/2004, não
havendo prova somente quanto ao salário família referente ao mês de
novembro/2004.
Quanto ao adicional de insalubridade pleiteado, verifica-se que não
há nos autos qualquer prova no sentido de que a atividade
desempenhada pelo servidor tenha sido realizada nessas condições.
Assim, dou parcial provimento ao primeiro apelo, para excluir da
sentença o pagamento do salário base e salário família referente ao
mês de dezembro/2004, haja vista a comprovação pelo documento de f.
33. Nego provimento ao segundo apelo.
(...)" (fls. 121/129).
Ao que se tem, realizando-se o cotejo entre a norma constante nos
artigos 166 a 169, do Código Civil e 24, da Lei nº 8.666/93 e os
fundamentos do acórdão recorrido, verifica-se que os aludidos
dispositivos legais não foram objeto de apreciação pelo Tribunal a
quo.
À vista disso, inarredável a ausência do indispensável
prequestionamento, o que inviabiliza o conhecimento da insurgência
especial, a teor do que dispõem os enunciados nºs 282 e 356 da
Súmula do Supremo Tribunal Federal, verbis:
"É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na
decisão recorrida, a questão federal suscitada."
"O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos
declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por
faltar o requisito do prequestionamento."
Registre-se, ainda, por oportuno, que a Excelsa Corte Especial deste
Superior Tribunal de Justiça firmou já entendimento quanto à
imprescindibilidade da oposição de embargos declaratórios para fins
de prequestionamento da matéria, mesmo quando a questão federal
surja no acórdão recorrido (cf. EREsp 99796/SP, Rel. Ministro
EDUARDO RIBEIRO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/06/1999, DJ
04/10/1999 p. 36).
Pelo exposto, nego provimento ao agravo.
Publique-se.
Intime-se.
Brasília, 17 de setembro de 2009.
Ministro Hamilton Carvalhido, Relator
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quarta-feira, 9 de junho de 2010
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