quarta-feira, 9 de junho de 2010

Boa Fé Objetiva e STJ

É legal quando vemos o STJ reconhecendo o princípio da boa fé objetiva em seus julgados:


Processo


Ag 1183132

Relator(a)

Ministro HAMILTON CARVALHIDO

Data da Publicação

05/10/2009

Decisão

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.183.132 - MG (2009/0078852-1)

RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO

AGRAVANTE : MUNICÍPIO DE BELO VALE

ADVOGADO : NEWTON VASCONCELLOS PEREIRA E OUTRO(S)

AGRAVADO : ALAN AUGUSTO REIS DE MOURA

ADVOGADO : ANTÔNIO GERALDO MALTA DE MOURA

DECISÃO

Agravo de instrumento contra inadmissão de recurso especial

interposto pelo Município de Belo Vale, com fundamento no artigo

105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, impugnando

acórdão da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais, assim ementado:

"ADMINISTRATIVO - CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA IRREGULAR - BOA-FÉ OBJETIVA

- AFASTAMENTO DO ENUNCIADO 363 DO TST - DEVIDAS AS PARCELAS

SALARIAIS. O contrato de trabalho celebrado entre a administração

pública e o servidor deve ater-se às regras insculpidas no artigo

37, II e IX da Constituição Federal. No caso de contratação

irregular, os efeitos do vício serão observados 'ex nunc', pelo que,

tendo sido despendida a força de trabalho do empregado, fará ele jus

às parcelas anteriormente acordadas e garantidas por lei, como

salário dos dias trabalhados e verbas remuneratórias, indenizatórias

e rescisórias. O princípio da boa-fé objetiva deverá ser respeitado,

sendo forçoso reconhecer que é vedado à administração pública

alterar os contornos do acordo anteriormente traçado com fins de

obter vantagem da sua própria conduta irregular." (fl. 116).


(...)



O princípio da boa-fé objetiva é regido por três institutos



distintos, quais sejam: confiança jurídica; venire contra factum


propium e supressio'.

A confiança jurídica atende as relações entre a administração e o

administrado, de forma que nas relações entre eles deva prevalecer o

sentimento de segurança, de forma que o contratado acredite que os

moldes de sua contratação apresentam consonância com o sistema

jurídico. Isso significa dizer que quando da celebração do contrato

temporário de trabalho a apelada poderia supor, presumir, que não

havia ilegalidade alguma naquela contratação, mesmo porque foi

proposta pelo próprio Estado.

O 'venire contra factum proprium' veda o exercício de uma posição

jurídica contraditória àquela assumida anteriormente pelo ente

público. Este instituto consagra a vedação às partes contratantes de

tentar obter êxito mormente sua própria atuação ilegal. Neste

sentido o Município não pode lograr êxito da ilegalidade da

contratação, pelo que o não pagamento dos direitos trabalhistas - no

caso concreto férias acrescidas de um terço - enseja em hialino

enriquecimento sem causa, mormente pelo aproveitamento de uma

situação que se encontrava consolidada, e que agora somente é

trazida à tona para fins de vantagens próprias.

Por fim, o instituto da 'supressio' denota a vedação do exercício de

um direito que deixou de ser conclamado no passado.

Isto não quer dizer que a administração nunca poderá reavaliar seus

atos, pelo contrário. A autotutela sempre foi um dos pontos

primordiais na manutenção da juridicidade das relações que envolvem

o Estado. No entanto, o que não pode ser admitido é justamente a

utilização de sua própria ilegalidade como forma de enriquecimento

ou obtenção de vantagem.

Insta trasladar trecho de outro acórdão proferido pelo STJ que muito

se assemelha ao caso em debate, vejamos:

'A teoria dos atos próprios impede que a administração pública

retorne sobre os próprios passos, prejudicando os terceiros que

confiaram na regularidade do seu procedimento.

(...)

'Sabe-se que o princípio da boa-fé deve ser atendido também pela

administração pública, e até com mais razão por ela, e o seu

comportamento nas relações com os cidadãos pode ser controlado pela

teoria dos atos próprios, que não lhe permite voltar sobre os

próprios passos, depois de estabelecer situações em cuja seriedade

os cidadãos confiaram' (Recurso Especial 184.487/SP DJU 03-05-1999,

p. 153; RSTJ 120/38), Ministro Ruy Rosado de Aguiar)

No mesmo sentido já se posicionou a jurisprudência desta corte:

'DIREITO ADMINISTRATIVO - AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA CONTRA

MUNICÍPIO - SERVIDOR PÚBLICO - CONTRATAÇÃO IRREGULAR - NULIDADE -

INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 37, II E § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL -

PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - A Administração

pública tem o dever de pagar pelos serviços prestados pelo servidor,

porque restou comprovada a relação laboral entre as partes, mesmo

que irregular a contratação, por inobservância dos requisitos

previstos no artigo 37, IX, da Constituição Federal.' APELAÇÃO CÍVEL

Nº 000.256.956-4/00 - COMARCA DE BOTELHOS - APELANTE(S): 1º) JD DA

COMARCA DE BOTELHOS, PELO MUNICÍPIO DE BOTELHOS, 2º) PAULO CÉSAR DA

SILVA - APELADO(S): PAULO CÉSAR DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES.

BRANDÃO TEIXEIRA

'APELAÇÃO CÍVEL/CONTRATAÇÃO IRREGULAR/AUSÊNCIA DE CONCURSO

PÚBLICO/VIOLAÇÃO AO ART. 37, II E § 2º DA CF/IRREGULARIDADE QUE NÃO

IMPEDE O PAGAMENTOS DOS SALÁRIOS E VERBAS COMPLEMENTARES DO PERÍODO

EM QUE SE VERIFICOU A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. A contratação de

servidor pela municipalidade, sem o devido concurso público, é nula

de pleno direito, eis que viola o art. 37, inciso II, da CF.

Contudo, inobstante a irregularidade da contratação do servidor, se

a Administração Pública se beneficiou da prestação de serviço,

tornam-se devidos os salários e as verbas complementares, como

férias e 13º salário, eis que foi a própria administração a

responsável pela nulidade do contrato'. (APELAÇÃO CÍVEL Nº

000.252.438-7/00/COMARCA DE CONSELHEIRO LAFAIETE/APELANTE (S): PAULO

FERNANDO DE CARVALHO LIMA/APELADO (S): MUNICÍPIO CONSELHEIRO

LAFAIETE/RELATOR: EXMO. SR. DES. SILAS VIEIRA, DJ DE 17.09.2002).

Durante todo o pacto laboral, mesmo que eivado de irregularidades, o

empregado percebeu as devidas parcelas de cunho remuneratório, em

contrapartida do trabalho realizado em favor do apelante Assim

sendo, não existe motivo para tolher o direito do requerente, mesmo

porque, segundo os entendimentos acima mencionados a suposta

ilegalidade 'in casu' traz efeitos 'ex nunc', que jamais poderão

retroagir ferindo a segurança jurídica instaurada naquela relação

Município-empregado.

Insta salientar que no caso concreto é muito mais plausível que o

demandado/apelante comprove o pagamento dos valores em crivo, em

face da dificuldade de produção de prova negativa pelo Apelado. Não

se há de exigir a prova negativa do autor se o réu detém a prova

positiva. De fato, há de se considerar que na prefeitura constem

recibos, comprovantes de depósito, fotocópias dos contracheques ou

quaisquer outros documentos que possam elidir o suposto direito do

servidor.

O ônus da prova que se verifica no caso em crivo, realiza-se de

acordo com a previsão do artigo 333 do CPC:

'Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quando ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou

extintivo do direito do autor.

(...)'

Assim, se o réu diz que pagou, é sua a prova do pagamento, como fato

ou extintivo do direito do autor.

O documento juntado pelo Município às f. 33 comprova o pagamento do

salário base e salário família referente a dezembro/2004, não

havendo prova somente quanto ao salário família referente ao mês de

novembro/2004.

Quanto ao adicional de insalubridade pleiteado, verifica-se que não

há nos autos qualquer prova no sentido de que a atividade

desempenhada pelo servidor tenha sido realizada nessas condições.

Assim, dou parcial provimento ao primeiro apelo, para excluir da

sentença o pagamento do salário base e salário família referente ao

mês de dezembro/2004, haja vista a comprovação pelo documento de f.

33. Nego provimento ao segundo apelo.

(...)" (fls. 121/129).

Ao que se tem, realizando-se o cotejo entre a norma constante nos

artigos 166 a 169, do Código Civil e 24, da Lei nº 8.666/93 e os

fundamentos do acórdão recorrido, verifica-se que os aludidos

dispositivos legais não foram objeto de apreciação pelo Tribunal a

quo.

À vista disso, inarredável a ausência do indispensável

prequestionamento, o que inviabiliza o conhecimento da insurgência

especial, a teor do que dispõem os enunciados nºs 282 e 356 da

Súmula do Supremo Tribunal Federal, verbis:

"É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na

decisão recorrida, a questão federal suscitada."

"O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos

declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por

faltar o requisito do prequestionamento."

Registre-se, ainda, por oportuno, que a Excelsa Corte Especial deste

Superior Tribunal de Justiça firmou já entendimento quanto à

imprescindibilidade da oposição de embargos declaratórios para fins

de prequestionamento da matéria, mesmo quando a questão federal

surja no acórdão recorrido (cf. EREsp 99796/SP, Rel. Ministro

EDUARDO RIBEIRO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/06/1999, DJ

04/10/1999 p. 36).

Pelo exposto, nego provimento ao agravo.

Publique-se.

Intime-se.

Brasília, 17 de setembro de 2009.

Ministro Hamilton Carvalhido, Relator

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