quarta-feira, 26 de setembro de 2012

STF - mandado de segurança e cobranças retroativas


Mandado de segurança - Concessão - Efeitos patrimoniais pretéritos – Descabimento (Transcrições)



RE 676774/DF*



RELATOR: Min. Celso de Mello



EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO. EFEITOS PATRIMONIAIS DEVIDOS SOMENTE A PARTIR DA DATA DA IMPETRAÇÃO MANDAMENTAL. CONSEQUENTE EXCLUSÃO DE PARCELAS PRETÉRITAS. SÚMULA 271/STF. DISCUSSÃO EM TORNO DA EXIGIBILIDADE DE VALORES PECUNIÁRIOS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA. NECESSIDADE DE EXAME DE NORMAS DE CARÁTER INFRACONSTITUCIONAL. INADMISSIBILIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.

- Os efeitos patrimoniais resultantes da concessão de mandado de segurança somente abrangem os valores devidos a partir da data da impetração mandamental, excluídas, em consequência, as parcelas anteriores ao ajuizamento da ação de mandado de segurança, que poderão, no entanto, ser vindicadas em sede administrativa ou demandadas em via judicial própria. Precedentes. Súmula 271/STF. Lei nº 12.016/2009 (art. 14, § 4º).

- O debate em torno da exigibilidade de efeitos patrimoniais produzidos em data anterior à da impetração do mandado de segurança, por implicar exame e análise de normas de índole infraconstitucional, refoge ao estrito domínio temático abrangido pelo recurso extraordinário. Precedente.



DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra decisão, que, proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 717/718):



EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. RITO DO ART. 730 DO CPC. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. CARGOS DE TÉCNICO DE PLANEJAMENTO E FISCAL FEDERAL AGROPECUÁRIO. DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. CÁLCULOS DAS GRATIFICAÇÕES DE DESEMPENHO. GDAFA E GCG. TERMO INICIAL. DATA DA IMPETRAÇÃO. AGOSTO DE 2001. TERMO FINAL. EFETIVO ENQUADRAMENTO FUNCIONAL. EXCESSO DE EXECUÇÃO. CARACTERIZAÇÃO MÍNIMA. EMBARGOS À EXECUÇÃO PARCIALMENTE PROVIDOS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

1. Em cumprimento à decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 7.894, os impetrantes, ora embargados, todos servidores efetivos do Quadro de Pessoal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, lotados na Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira – CEPLAC –, foram enquadrados em cargos integrantes do Plano de Classificação de Cargos de que trata a Lei 5.645/1970, por intermédio da Portaria 1.341/2002, expedida pela Secretaria de Recurso Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, publicada no DOU de 15/10/2002. Pleiteiam, em execução, os consectários entre a data da impetração e o efetivo cumprimento da ordem.

2. Esta Relatoria, por entender correto o laudo contábil elaborado pela Coordenadoria de Execução Judicial do STJ, homologa-o, para declarar devido o montante nele fixado, isto é, R$ 24.601.148,88 (vinte e quatro milhões, seiscentos e um mil e cento e quarenta e oito reais, e oitenta e oito centavos).

3. Embargos à execução em mandado de segurança conhecidos e parcialmente providos, para que prevaleça o valor apurado nos cálculos elaborados pela contadoria do STJ. Verificada a sucumbência recíproca, condeno a União em honorários de advogado que arbitro em 2% sobre a diferença entre o valor da execução e do excesso apurado, atento à complexidade da demanda e à duração da ação constitucional, até agora cerca de 09 anos, e condeno, outrossim, os embargados no pagamento dos honorários do advogado da União, que fixo em 2% sobre o valor do excesso, atento da mesma forma à complexidade e duração desta ação, compensando-se nos termos do ‘caput’ do art. 21 do CPC.

4. O mandado de segurança não é meio inidôneo para amparar lesões de natureza pecuniária. Precedentes.

5. Embargos de declaração rejeitados.” (grifei)



A parte ora recorrente, ao deduzir o apelo extremo em questão, sustenta que o Tribunal “a quoteria transgredido os preceitos inscritos no art. 2º e no art. 87, ambos da Constituição da República.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. PAULO DA ROCHA CAMPOS, ao opinar pelo não conhecimento do recurso extraordinário ora em exame (fls. 942/946), reconheceu configurada, na espécie, hipótese de ofensa indireta à Constituição Federal:



11. Por outro lado, a suposta ofensa aos dispositivos da Constituição Federal, além de configurar inovação vedada em nosso ordenamento jurídico (CPC, art. 264), seria apenas reflexa. Sendo inadmissível, em recurso extraordinário, alegação de ofensa indireta à Constituição Federal.

12. Além disso, o v. Acórdão recorrido encontra-se em harmonia com a legislação – especificamente com o art. 14, § 4º, da Lei nº 12.016, de 07.08.2009 (que reproduz o disposto no (por ela revogado) art. 1º da Lei nº 5.021/66) – e com a jurisprudência do STF, pois os efeitos do ‘mandado de segurança’ se verificam a partir da impetração. Neste sentido:



EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS MODIFICATIVOS. EXCEPCIONALIDADE. AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITOS PATRIMONIAIS. LIMITAÇÃO AO PERÍODO POSTERIOR À IMPETRAÇÃO. Recurso de embargos de declaração conhecido e provido para definir que o cálculo dos efeitos patrimoniais oriundos da concessão da segurança deverá se dar a partir da data da impetração (Súmulas 269 e 271/STF).’ (RMS 25666 ED, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 16/03/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENTA VOL-02398-01 PP-00083)



13. Diante do exposto, o parecer é pelo não conhecimento do recurso ou, caso seja conhecido, pelo não provimento.” (grifei)



O exame destes autos convence-me de que assiste plena razão à douta Procuradoria-Geral da República.

Com efeito, a suposta ofensa ao texto constitucional, caso existente, apresentar-se-ia por via reflexa, eis que a sua constatação reclamaria – para que se configurasse – a formulação de juízo prévio de legalidade, fundado na vulneração e infringência de dispositivos de ordem meramente legal. Não se tratando de conflito direto e frontal com o texto da Constituição, como exigido pela jurisprudência da Corte (RTJ 120/912, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RTJ 132/455, Rel. Min. CELSO DE MELLO), torna-se inviável o trânsito do recurso extraordinário.

Mesmo que se pudesse superar o óbice técnico representado pela ocorrência, na espécie, de situação de ofensa meramente reflexa ao texto constitucional, ainda assim não se revelaria acolhível a postulação recursal que a União deduziu na presente causa.

O acórdão objeto do presente recurso extraordinário bem reflete, no ponto, o entendimento consagrado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que se mostra plenamente viável a utilização do mandado de segurança para veicular pretensão de conteúdo patrimonial, desde que a reparação pecuniária vindicada abranja período situado entre a data da impetração do write aquela em que se der o efetivo cumprimento da ordem mandamental.

Isso significa, portanto, que efeitos patrimoniais produzidos em momento que precede a data da impetração do mandado de segurança não são alcançados pela decisão que o concede, tal como prescreve a Lei nº 12.016/2009, cujo art. 14, § 4º, impõe essa limitação de ordem temporal ao destacar que O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial” (grifei).

Na realidade, essa regra legal, que constitui reprodução do que se continha na Lei nº 5.029/66 (art. 1º), nada mais reflete senão diretriz jurisprudencial consubstanciada na Súmula 271 desta Suprema Corte, cujo teor tem o seguinte enunciado:



Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.” (grifei)



Vê-se, daí, que efeitos patrimoniais somente se compreendem no alcance da decisão concessiva do mandado de segurança, quando concernentes a valores devidos a partir da data da impetração mandamental.

Correto, desse modo, o julgamento emanado do E. Superior Tribunal de Justiça, quando destaca, com precisão, o aspecto que venho de referir (fls. 714):



Consoante doutrina de Hely Lopes Meirelles, o mandado de segurança não é meio inidôneo para amparar lesões de natureza pecuniária. A segurança pode prestar-se à remoção de obstáculos a pagamentos em dinheiro. Neste caso, o juiz poderá ordenar o pagamento, afastando as exigências ilegais (Hely Lopes Meirelles, 32ª edição, 2009, Malheiros, páginas 108/109)

A jurisprudência do STJ admite o pagamento de verbas relativas a parcelas existentes entre a data da impetração e a concessão da ordem. Confiram-se os precedentes: Reclamação 2017/RS, Min. Rel. Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), DJe 15/10/2008; Mandado de Segurança 12.397/DF, Min. Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJe 16/ 06/2008.

Na espécie, o acórdão embargado, em prestígio da efetividade da decisão judicial, determinou que o período a ser liquidado abrangeria desde a data da impetração até o efetivo cumprimento da ordem de segurança, isto é, o efetivo enquadramento.” (grifei)



Como precedentemente assinalado, essa orientação traduz posição prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 62/813, Rel. Min. BARROS MONTEIRO – RTJ 67/850, Rel. Min. DJACI FALCÃO – RTJ 75/164, Rel. Min. ELOY DA ROCHA – MS 27.565/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.), valendo reproduzir, no ponto, por relevante, decisão desta Corte consubstanciada em acórdão assim ementado:



EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. GRATIFICAÇÃO DE ATIVIDADE DE SEGURANÇA (GAS). INADMISSIBILIDADE DE PAGAMENTO RETROATIVO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 269 E 271 DO STF.

1. Embora o Supremo Tribunal Federal haja reconhecido o direito líquido e certo dos impetrantes quanto à percepção da Gratificação de Atividade de Segurança (GAS), instituída pelo art. 15 da Lei nº 11.415/2006, a ordem judicial aqui proferida não alcança pagamentos referentes a parcelas anteriores ao ajuizamento da ação, ‘os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria’ (Súmulas n. 269 e 271 do STF).

2. Embargos acolhidos.

(MS 26.740-ED/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei)



Cabe registrar que o acórdão objeto do presente recurso extraordinário observou, com absoluta fidelidade, a diretriz jurisprudencial ora mencionada.

De qualquer maneira, no entanto, é de assinalar que esse tema, tal como corretamente observado pela douta Procuradoria-Geral da República, reveste-se de índole infraconstitucional, o que inviabiliza o próprio conhecimento deste apelo extremo, como enfatizado pela jurisprudência desta Suprema Corte:



AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITOS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 271 DO STF. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AGRAVO IMPROVIDO.

I – A discussão acerca da produção de efeitos patrimoniais em relação ao período pretérito à impetração do mandado de segurança, demandaria o reexame de normas infraconstitucionais aplicáveis à espécie.

II – Agravo regimental improvido.

(AI 825.321-ED-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - grifei)



Sendo assim, e pelas razões expostas, não conheço do presente recurso extraordinário.



Publique-se.

Brasília, 08 de junho de 2012.



Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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