SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA
Relator(a): Min. PRESIDENTE
Julgamento: 16/09/2009
Presidente
Min. GILMAR MENDES
Publicação
DJe-180 DIVULG 23/09/2009 PUBLIC 24/09/2009Partes
REQTE.(S): UNIÃO ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO REQDO.(A/S): TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.001650-3) INTDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROC.(A/S)(ES): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICADecisão
DECISÃO: Trata-se de pedido de suspensão de tutela antecipada, formulado pela União Federal, contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Florianópolis/SC, que antecipou os efeitos da tutela, nos autos da Ação Civil Pública n.º 2009.72.00.012168-4, com objetivo de determinar à União que contratasse noventa e dois servidores da área médica para atuação no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina ou autorizasse o referido hospital a contratá-los. Registre-se que essa decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos da Suspensão de Antecipação de Tutela n.º 2009.04.00.001839-1 e do Agravo de Instrumento n.º 2009.04.00.001650-3. Na origem, o Ministério Público Federal ajuizou a Ação Civil Pública n.º 2008.72.00.012168-4, com pedido de tutela antecipada, para que, no prazo máximo de até 45 (quarenta e cinco) dias, fosse determinada a adoção de todos os atos necessários à urgente e imediata contratação de profissionais para a ativação de toda a capacidade de leitos atualmente existentes no HU/UFSC, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais). O Juízo da 2ª Vara Federal de Florianópolis/SC concedeu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, nos seguintes termos: “Ante o exposto, DEFIRO o pedido de antecipação da tutela requerido pelo MPF. Por conseguinte 1) DETERMINO à União que, no prazo de 3 meses contados da intimação desta decisão – CONTRATE ou AUTORIZE a UFSC a contrata por até um ano: - 19 médicos; - 13 enfermeiros; - 43 técnicos de enfermagem; - 2 anestesistas; - 10 assistentes administrativos; - 1 fisioterapeuta; - 3 técnicos de laboratório; e - 1 farmacêutico bioquímico; para atenderem à necessidade temporária de excepcional interesse público, consubstanciada na ativação de toda a capacidade de leitos do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC) com satisfação das exigências da Lei n . º 8.745/93 ; 2) RESSALTO que dos quantitativos de profissionais indicados no item 1 poderão ser reduzidos os compatíveis (isto é, da mesma categoria profissional dos acima) com os previstos para serem preenchidos em caráter efetivo, em função de Concurso deflagrado pelo Edital n . º 018/DDPP/08, referido à fl. 81; 3) DETERMINO à União, em até 90 dias que adote as medidas necessárias para a realização do concurso público para o provimento em caráter efetivo dos mesmos cargos, a serem preenchidos nos termos dos itens 1 e 2 retro, com previsão de os aprovados estarem em exercício ao termo do prazo dos contratos temporários, o que significa dizer que a União terá o prazo dos contratos temporários, o que significa dizer que a União terá o prazo de até 1 ano e 3 meses contados da intimação desta decisão para promover ou autorizar a substituição dos profissionais temporários; 4) DEVERÁ, ainda a União, em até 90 dias contados da intimação desta decisão: 4.1) apresentar o rol dos profissionais a serem preenchidos pelo concurso público para o provimento definitivo dos cargos, já efetuadas as deduções referidas no item 2 retro; 4.2) apresentar cronograma das diversas etapas necessárias ao cumprimento do item 3 retro; 4.3) especificar quais foram os valores investidos especificamente nas reformas e instalações do HU; 4.4) esclarecer se estava prevista a contratação de pessoal para ativar estas mesmas unidades instaladas e quais eram os custos estimados anuais com esse mesmo pessoal; 4.5) apresentar uma estimativa dos custos atuais com a guarda e conservação das unidades instaladas e ociosas; 4 .6) relacionar e especificar equipamentos instalados nas unidades ociosas que correm o risco de obsolescência; 5) Para o fiel cumprimento das determinações retro, estabeleço MULTA diária de R$ 300,00 a ser paga individualmente por qualquer dos agentes da União que tenha a incumbência formal de agir no cumprimento desta liminar e comprovadamente tenha se omitido. Justifico este valor aquém do requerido pelo MPF, porque a inadimplência por 30 dias, por exemplo, já significará R$ 9.000,00, que para um agente público – ainda ao nível de Ministro – comprometeria parcela apreciável dos subsídios líquidos mostrando-se suficiente para que não ignore a responsabilidade que lhes pesa no fiel cumprimento desta liminar.” (fls. 57-59) Contra essa decisão a União ajuizou pedido de suspensão de tutela antecipada e interpôs agravo de instrumento perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que indeferiu o primeiro e negou provimento ao segundo. A União ajuíza este pleito de suspensão, sustentando, em síntese, a violação à ordem pública, na acepção ordem-administrativa (concebida como normal execução de serviços públicos), implicando indevida intromissão do Poder Executivo, e consequente afronta à ordem jurídico-constitucional, que se assenta no princípio da Separação dos Poderes. Assim, caberia à Administração, que possui as informações necessárias e conhece o panorama geral da questão, decidir sobre o modo de distribuição de verbas da saúde pública e sobre a necessidade e conveniência de contratação de pessoal. Decido. A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão (Leis n. os 12.016/2009, 9.494/97 e 12.016/2009 e art. 297 do RI-STF) permite que a Presidência do Supremo Tribunal Federal, a fim de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspenda a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última instância pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão travada na origem for de índole constitucional. Assim, é a natureza constitucional da controvérsia que justifica a competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar o pedido de contracautela, conforme a pacificada jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: Rcl 497-AgR/RS, rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187-AgR/SC, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS 2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004. Na ação civil pública em tramitação na origem, o Ministério Público fundou o pedido na violação ao art. 1 96 da Constituição Federal (dever do Estado em garantir a saúde pública), enquanto a União sustentou que a s decis ões eventualmente impugnada s afrontara m o princípio da Separação dos Poderes (art. 2º da CF). Não há dúvida, portanto, de que a matéria discutida na origem reveste-se de índole constitucional. Feitas essas considerações preliminares, passo à análise do pedido, o que faço apenas e tão somente com base nas diretrizes normativas que disciplinam as medidas de contracautela. Ressalte-se, não obstante, que, na análise do pedido de suspensão de decisão judicial, não é vedado ao Presidente do Supremo Tribunal Federal proferir um juízo mínimo de delibação a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal, conforme tem entendido a jurisprudência desta Corte, da qual se destacam os seguintes julgados : SS 846-AgR/DF, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 29.5.96; SS 1.272-AgR/RJ, rel. Ministro Carlos Velloso, DJ 18.5.2001. No caso, quando o Juízo Federal, em decisão confirmada pelo T RF da 4ª Região, determinou à União a contratação de profissionais da saúde para a atuação no Hospital Universitário da UFSC , pretendeu garantir à população o direito previsto no art. 1 96 da CF. Ressalte-se que nada impede o Judiciário de promover decisões contrárias ao Estado, nem se configura violação ao princípio da Separação dos Poderes e da Autonomia e Independência dos Poderes . L e em -se o s seguinte s trecho s na decisão proferida pelo Juízo Federal: “ A União defende que, em face do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 3º da Constituição Federal de 1988), há vedação de o Poder Judiciário examinar o pedido feito nesta ação. Porém, tal defesa é focada numa visão tradicional e inadequada frente o nosso Estado Democrático de Direito no qual o PODER ESTATAL deve ser visto como UNO (porque emana do Povo e para o Povo, que é o seu único titular) e DIVISÍVEL apenas para facilitação e efetivação das suas funções, ou seja, sendo mais próprio dizer que existe uma tripartição de competências precípuas até para que se evite a sempre perigosa concentração de poder, pois que o detém tende a dele abusar. Por isso, o princípio da autonomia e independência entre os poderes da República não está concebido com caráter absoluto, como de resto a maioria dos princípios constitucionais. Tampouco está concebido para permitir excessos de um, sem o controle de outro, sobre bens relevantes como é o caso da VIDA, da SAÚDE, da EDUCAÇÃO (ou de quaisquer outros direitos e garantias fundamentais), que constituem objetivos de destaque do Estado Brasileiro. Ao contrário. A separação e harmonia entre os poderes foi concebida e estabelecida para potencializar e fiscalizar as ações de um pelos demais e, assim, evitar cometimento de abusos e/ou de ilegalidades. Neste caso, a situação justifica plenamente a provocação judicial ora efetuada pelo MPF em nome de toda a sociedade, pois este demonstra com diversas provas (como será analisado adiante, que: - o Poder Executivo está omisso por não ter viabilizado a reposição do pessoal que trabalhava na ilegalidade no HU (por intermédio de fundações) e por não prover os cargos necessários para as novas unidades inauguradas, mesmo após ser insistentemente agitado o Ministério da Educação; (...) - mesmo provocados esses dois poderes pela Direção do HU, com demonstrativos analíticos dos crescentes números de atendimentos e da sobrecarga de trabalho dos profissionais existentes – não conseguiram solucionar a questão. Ora, neste contexto, no qual se alega que os outros dois poderes já falharam, e em tratando de uma questão que envolve direitos fundamentais, certamente o Poder Judiciário não estará usurpando dos outros poderes se decidir a questão, pois está sendo o último a ser provocado e a Constituição Federal assegura o direito de acesso a este poder para decidir sobre qualquer tipo de lesão ou ameaça de direito. Esta ação não foi proposta para discutir direitos de menor importância cuja solução possa ficar indefinidamente à mercê de conveniência e oportunidade do Administrador ou Legislador, que podem não estar sensibilizados para com as necessidades sociais de seu povo, notadamente as das áreas de SAÚDE e da EDUCAÇÃO.” (fls. 49 e 50) Conclui-se, no caso, que a contratação emergenciail de pessoal e o posterior provimento dos cargos mediante realização de concurso público requeridos na ação e determinados na decisão atacada não resultam propriamente de uma indevida interferência do Ministério Público Federal ou do Poder Judiciário na atividade administrativa, tomando para si atribuições que seriam da Administração, tais como decidir sobre como, onde e quando aplicar os recursos públicos na saúde. Assim, na perspectiva da ordem pública administrativa, a determinação de contratação de profissionais da saúde seria medida complementar necessária e decorrência lógica dos investimentos efetuados , por decisão da Administração, nas instalações físicas e nos equipamentos do Hospital Universitário, a não ser que se entendesse que a ociosidade, a subutilização, a obsolescência e a deterioração – enfim, o desperdício dos recursos públicos destinados à saúde – sejam compatíveis com essa ordem. Essa particularidade do caso em tela, em que a decisão judicial impugnada tem em vista não a ampliação dos serviços de saúde oferecidos a uma determinada parcela da população, provavelmente em detrimento de outra, mas, sim, o pleno aproveitamento dos recursos públicos já investidos na dimensão material do Hospital, afasta também a alegação de violação ao principio da Separação dos Poderes e de dano à ordem econômica, não sendo de todo infundado se pensar, quanto a este último tópico, que mais lesiva seria a não contratação de pessoal, tornando inúteis aqueles investimentos. Contudo, entendo que a fixação de multa diária de R$ 300,00 (trezentos reais) pelo descumprimento da decisão proferida na ação civil pública revela-se despropositada e atentatória à economia pública. Para se chegar a essa constatação, basta observar que a fixação de multa em valor elevado e sem limitação constitui ônus excessivo ao Poder Público e à coletividade, pois impõe o contingenciamento e o remanejamento de recursos financeiros, em detrimento de outras políticas públicas de alta prioridade. Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido para suspender os efeitos da decisão proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara de Florianópolis, nos autos da Ação Civil Pública n.º 2009.72.00.012168-4, e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento n.º 2009.04.00.001650-3, apenas no que se refere à aplicação da multa diária de R$ 300,00 (trezentos reais). Publique-se. Comunique-se com urgência. Brasília, 16 de setembro de 2009. Ministro GILMAR MENDES Presidente
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