Mandado de segurança -
Concessão - Efeitos patrimoniais pretéritos – Descabimento
(Transcrições)
RE 676774/DF*
RELATOR:
Min. Celso de Mello
EMENTA: MANDADO
DE SEGURANÇA. CONCESSÃO. EFEITOS PATRIMONIAIS DEVIDOS
SOMENTE A PARTIR
DA DATA DA IMPETRAÇÃO MANDAMENTAL. CONSEQUENTE EXCLUSÃO DE
PARCELAS PRETÉRITAS. SÚMULA
271/STF. DISCUSSÃO EM TORNO DA EXIGIBILIDADE DE
VALORES PECUNIÁRIOS
ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE
MANDADO DE SEGURANÇA. NECESSIDADE DE EXAME DE NORMAS DE
CARÁTER INFRACONSTITUCIONAL.
INADMISSIBILIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO
CONHECIDO.
- Os efeitos patrimoniais
resultantes da concessão de mandado de segurança somente
abrangem os valores devidos a partir da data da impetração
mandamental, excluídas, em consequência, as
parcelas anteriores ao ajuizamento da ação de mandado de
segurança, que poderão, no entanto, ser vindicadas em
sede administrativa ou demandadas em via judicial
própria. Precedentes. Súmula 271/STF. Lei
nº 12.016/2009 (art. 14, § 4º).
- O debate em torno da
exigibilidade de efeitos
patrimoniais produzidos em data anterior
à da impetração do mandado de segurança, por implicar
exame e análise de normas de índole
infraconstitucional, refoge ao
estrito domínio temático
abrangido pelo recurso extraordinário. Precedente.
DECISÃO:
O presente recurso extraordinário foi interposto
contra decisão, que, proferida pelo E. Superior Tribunal de
Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado
(fls. 717/718):
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
EMBARGOS À EXECUÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TÍTULO
EXECUTIVO JUDICIAL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA.
RITO DO ART. 730 DO CPC. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL.
CARGOS DE TÉCNICO DE PLANEJAMENTO E FISCAL FEDERAL
AGROPECUÁRIO. DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. CÁLCULOS DAS
GRATIFICAÇÕES DE DESEMPENHO. GDAFA E GCG. TERMO INICIAL.
DATA DA IMPETRAÇÃO. AGOSTO DE 2001. TERMO FINAL.
EFETIVO ENQUADRAMENTO FUNCIONAL. EXCESSO DE EXECUÇÃO.
CARACTERIZAÇÃO MÍNIMA. EMBARGOS À EXECUÇÃO PARCIALMENTE
PROVIDOS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. Em cumprimento à
decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança nº
7.894, os impetrantes, ora embargados, todos servidores
efetivos do Quadro de Pessoal do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento, lotados na Comissão Executiva do Plano da Lavoura
Cacaueira – CEPLAC –, foram enquadrados em cargos
integrantes do Plano de Classificação de Cargos de que trata
a Lei 5.645/1970, por intermédio da Portaria 1.341/2002,
expedida pela Secretaria de Recurso Humanos do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, publicada no DOU de 15/10/2002.
Pleiteiam, em execução, os consectários entre a data da
impetração e o efetivo cumprimento da ordem.
2. Esta Relatoria, por
entender correto o laudo contábil elaborado pela Coordenadoria de
Execução Judicial do STJ, homologa-o, para declarar
devido o montante nele fixado, isto é, R$ 24.601.148,88
(vinte e quatro milhões, seiscentos e um mil e cento e quarenta e
oito reais, e oitenta e oito centavos).
3. Embargos à execução
em mandado de segurança conhecidos e parcialmente providos,
para que prevaleça o valor apurado nos cálculos elaborados pela
contadoria do STJ. Verificada a sucumbência recíproca,
condeno a União em honorários de advogado que arbitro em 2% sobre a
diferença entre o valor da execução e do excesso apurado, atento à
complexidade da demanda e à duração da ação constitucional, até
agora cerca de 09 anos, e condeno, outrossim, os embargados no
pagamento dos honorários do advogado da União, que fixo em 2% sobre
o valor do excesso, atento da mesma forma à complexidade e duração
desta ação, compensando-se nos termos do ‘caput’ do art. 21 do
CPC.
4. O mandado de segurança não
é meio inidôneo para amparar lesões de natureza pecuniária.
Precedentes.
5. Embargos de declaração
rejeitados.” (grifei)
A parte ora recorrente, ao
deduzir o apelo extremo em questão, sustenta
que o Tribunal “a quo” teria transgredido
os preceitos inscritos no art. 2º e no art. 87, ambos
da Constituição da República.
O Ministério Público Federal,
em parecer da lavra do ilustre
Subprocurador-Geral da República Dr. PAULO DA ROCHA CAMPOS, ao
opinar pelo não
conhecimento do recurso extraordinário ora
em exame (fls. 942/946), reconheceu configurada,
na espécie, hipótese de ofensa
indireta à Constituição Federal:
“11. Por outro lado,
a suposta ofensa aos dispositivos da Constituição Federal, além
de configurar inovação vedada em nosso ordenamento jurídico
(CPC, art. 264), seria apenas reflexa. Sendo
inadmissível, em recurso extraordinário, alegação de
ofensa indireta à Constituição Federal.
12. Além disso, o
v. Acórdão recorrido encontra-se em harmonia com a legislação
– especificamente com o art. 14, § 4º, da Lei nº 12.016, de
07.08.2009 (que reproduz o disposto no (por ela revogado) art. 1º da
Lei nº 5.021/66) – e com a jurisprudência do STF, pois
os efeitos do ‘mandado de segurança’ se verificam a
partir da impetração. Neste sentido:
‘EMENTA: PROCESSUAL CIVIL.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS MODIFICATIVOS. EXCEPCIONALIDADE.
AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITOS PATRIMONIAIS. LIMITAÇÃO AO
PERÍODO POSTERIOR À IMPETRAÇÃO. Recurso de embargos de declaração
conhecido e provido para definir que o cálculo dos efeitos
patrimoniais oriundos da concessão da segurança deverá se
dar a partir da data da impetração (Súmulas 269 e
271/STF).’ (RMS 25666 ED, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA,
Segunda Turma, julgado em 16/03/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010
PUBLIC 23-04-2010 EMENTA VOL-02398-01 PP-00083)
13. Diante do exposto,
o parecer é pelo não conhecimento do recurso ou, caso seja
conhecido, pelo não provimento.”
(grifei)
O exame
destes autos convence-me de que
assiste plena razão
à douta Procuradoria-Geral da República.
Com efeito, a suposta
ofensa ao texto constitucional, caso existente,
apresentar-se-ia por via
reflexa, eis que a sua constatação
reclamaria – para que se configurasse – a formulação de
juízo prévio de legalidade, fundado na vulneração e
infringência de dispositivos de ordem
meramente legal. Não
se tratando de conflito direto
e frontal com o texto da Constituição, como exigido
pela jurisprudência da Corte (RTJ 120/912,
Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RTJ 132/455,
Rel. Min. CELSO DE MELLO), torna-se inviável
o trânsito do recurso extraordinário.
Mesmo que se pudesse
superar o óbice técnico representado pela ocorrência,
na espécie, de situação
de ofensa meramente
reflexa ao texto constitucional, ainda
assim não se revelaria acolhível a postulação recursal
que a União deduziu na presente causa.
O acórdão objeto do
presente recurso extraordinário bem reflete,
no ponto, o entendimento consagrado pela jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, no sentido de
que se mostra
plenamente viável a
utilização do mandado de segurança para veicular pretensão
de conteúdo patrimonial, desde que a reparação pecuniária
vindicada abranja período situado entre a
data da impetração
do “writ” e
aquela em que se
der o efetivo cumprimento da ordem
mandamental.
Isso significa, portanto,
que efeitos patrimoniais produzidos em momento que precede
a data da impetração do mandado de segurança não são
alcançados pela decisão que o concede, tal como prescreve
a Lei nº 12.016/2009, cujo art. 14, § 4º, impõe essa limitação
de ordem temporal ao destacar que “O pagamento
de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados
em sentença concessiva de mandado de segurança
a servidor público da administração direta ou
autárquica federal, estadual e municipal somente será
efetuado relativamente às prestações que se
vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial”
(grifei).
Na realidade, essa regra
legal, que constitui reprodução
do que se continha na Lei nº 5.029/66 (art. 1º), nada
mais reflete senão
diretriz jurisprudencial consubstanciada na
Súmula 271 desta Suprema
Corte, cujo teor tem o seguinte enunciado:
“Concessão
de mandado de segurança não produz
efeitos patrimoniais em relação
a período pretérito,
os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via
judicial própria.” (grifei)
Vê-se, daí, que
efeitos patrimoniais somente se
compreendem no alcance da decisão
concessiva do mandado de segurança, quando concernentes a
valores devidos a partir
da data da
impetração mandamental.
Correto, desse
modo, o julgamento emanado
do E. Superior Tribunal de Justiça, quando destaca,
com precisão, o aspecto
que venho de referir (fls. 714):
“Consoante doutrina
de Hely Lopes Meirelles, o mandado de segurança não é meio
inidôneo para amparar lesões de natureza pecuniária. A
segurança pode prestar-se à remoção de obstáculos a
pagamentos em dinheiro. Neste caso, o juiz poderá ordenar
o pagamento, afastando as exigências ilegais (Hely Lopes
Meirelles, 32ª edição, 2009, Malheiros, páginas 108/109)
A jurisprudência do STJ
admite o pagamento de verbas relativas a parcelas existentes
entre a data da impetração e a concessão da ordem.
Confiram-se os precedentes: Reclamação 2017/RS, Min.
Rel. Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), DJe 15/10/2008;
Mandado de Segurança 12.397/DF, Min. Rel. Arnaldo Esteves
Lima, DJe 16/ 06/2008.
Na espécie, o acórdão
embargado, em prestígio da efetividade da decisão judicial,
determinou que o período a ser liquidado abrangeria desde
a data da impetração até o efetivo cumprimento da ordem
de segurança, isto é, o efetivo enquadramento.”
(grifei)
Como precedentemente
assinalado, essa orientação traduz posição
prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (RTJ 62/813, Rel. Min.
BARROS MONTEIRO – RTJ 67/850, Rel. Min.
DJACI FALCÃO – RTJ 75/164, Rel. Min.
ELOY DA ROCHA – MS 27.565/DF,
Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.), valendo reproduzir, no
ponto, por relevante, decisão desta Corte consubstanciada em
acórdão assim ementado:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM MANDADO DE SEGURANÇA. GRATIFICAÇÃO DE ATIVIDADE DE
SEGURANÇA (GAS). INADMISSIBILIDADE DE PAGAMENTO RETROATIVO.
INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 269 E 271 DO STF.
1. Embora o Supremo
Tribunal Federal haja reconhecido o direito líquido e certo
dos impetrantes quanto à percepção da Gratificação de
Atividade de Segurança (GAS), instituída pelo art. 15 da Lei
nº 11.415/2006, a ordem judicial aqui proferida não
alcança pagamentos referentes a parcelas
anteriores ao ajuizamento da ação, ‘os quais devem ser
reclamados administrativamente ou pela via judicial própria’
(Súmulas n. 269 e 271 do STF).
2. Embargos acolhidos.”
(MS
26.740-ED/DF,
Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei)
Cabe registrar que o
acórdão objeto do presente recurso extraordinário observou,
com absoluta fidelidade,
a diretriz jurisprudencial ora mencionada.
De qualquer maneira, no
entanto, é de assinalar que esse tema, tal
como corretamente observado
pela douta Procuradoria-Geral da República, reveste-se de
índole infraconstitucional, o
que inviabiliza o próprio conhecimento deste apelo
extremo, como enfatizado pela jurisprudência desta Suprema
Corte:
“AGRAVO REGIMENTAL
NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL
CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITOS. APLICAÇÃO
DA SÚMULA 271 DO STF. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.
AGRAVO IMPROVIDO.
I – A discussão
acerca da produção de efeitos patrimoniais em relação ao
período pretérito à impetração do mandado de segurança,
demandaria o reexame de normas infraconstitucionais aplicáveis
à espécie.
II – Agravo regimental
improvido.”
(AI
825.321-ED-AgR/DF,
Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - grifei)
Sendo assim,
e pelas razões expostas, não conheço do
presente recurso extraordinário.
Publique-se.
Brasília, 08 de junho de 2012.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator