terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Por que a "Justiça" trabalha?

Uma pequena história: audiência de menor. Ato infracional grave. Uma sala. o Judiciário. Um Promotor. Um advogado. Logo ao lado uma senhora, mãe. Uma criança de 01 ano no braço. Depoimentos. Perguntas. Respostas. Mais e mais perguntas. A nítida sensação: "enxugando gelo".

Por mais esforço do Promotor, Advogado ou o Juiz, qualquer sanção para aquele adolescente é pouco mais que meramente simbólica. Ao completar dezoito anos, muito provavelmente envolvimento com crimes graves. Ou cooptação por quadrilhas de tráfico de drogas, homicídio ou gangues em geral. Todos apenas preocupados numa audiência em provar um fato na vida de alguém com quem os "atores jurídicos" não tem maior aproximação. E pior: sequer se dispõe em vários Estados de uma equipe interprofissional básica para entender minimamente o contexto do menor.

Outro caso: uma investigação policial. Uma testemunha. Mora sozinha numa favela. Ou com seus filhos e pais. Vê um crime. Se testemunhar, há a forte hipótese de ser morta. Eu tenho o direito de invocar para ela princípios básicos como "responsabilidade social"...ou que ela deve "contribuir para a repressão da criminalidade...". Estando na balança o "pescoço" dela e a punição de um suspeito, não há grande esforço para alcançar qual a opção dessa possível testemunha.

Mais um caso: após décadas e décadas de Revolução Francesa suspeitos entram em Delegacias ao redor do Brasil. E alguns são abusivamente torturados. Quer-se a "confissão". Mesmo sem qualquer prova cabal. Muitas vezes até sem qualquer uma. Os gritos e dores são ouvidos por vizinhos e terceiros que passam pelas ruas. Testemunhas mais do que visuais do ocorrido. Olfativas, auditivas, etc. Testemunhas espirituais do ocorrido. E mais grave: servidores corretos ainda podem ser vítimas de colegas ao se insurgirem contra este "salutar hábito" ao investigar...

A idéia de jurisdição. E de processo. E de Estado. Tudo isso tem que indicar, deve indicar, precisa indicar, ao menos um objetivo. Uma Esperança. Fabricamos papel numa perspectiva alucinante. E as pessoas olhando o trabalho do Juiz, e do Promotor, e se perguntando o que elas têm com aquilo...algo parecido com a situação do personagem do "Estrangeiro", do Albert Camus, ao ouvir a sentença de que cortariam sua cabeça.

Aí é perguntado: "Por que a Justiça Trabalha"? E Justiça envolve Juizes, Promotores, Advogados, enfim, todo o sistema.

Duas opções: a) cumprir bem e simbolicamente o papel. A velha estratégia "é apenas trabalho". E negar o ser humano que permeia os autos dos processos. Se não houver grande sensibilidade, pode-se até alcançar alegria e felicidade em alguns momentos; b) olhar onde se perdeu ou está se perdendo a dignidade do homem cuja sorte está diante de outros que, por vezes, pouco ligam para a situação pessoal de quem está sendo processado. Aqui há uma ânsia por encontrar um caminho, uma saída. E a vontade de lutar contra a maioria que simplesmente olha a porta do fórum como se no alto houvesse a inscrição narrada por Dante às portas do Inferno: "Deixai aqui toda a Esperança, vós que entrais..."

Trabalhar com "Justiça" exige acreditar contra toda a esperança. Lutar contra o desânimo. Pessoal e alheio. Olhar por sobre todo o simbolismo que envolve o Direito. E saber que isso tudo é feito por sonhos e projetos que não serão vistos frutificar numa geração apenas. E que devemos fazer "nossa parte". Sabendo que a "nossa parte" quase sempre é bem mais do que consta nos manuais. E bem menos do que é necessário para qualquer mudança imediatamente considerável. E ainda assim é um dever lutar.

E, ao fim, sermos capazes de dizer: "SOMOS SERVOS INÚTEIS. FIZEMOS QUE TINHAMOS DE FAZER"

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