A violência doméstica é algo preocupante para o sistema judiciário americano. Pesquisa-se muito sobre isso.
Acabou de ser lançada uma obra sobre o tema:
Death by Domestic Violence: Preventing the Murders and Murder-Suicides (Social and Psychological Issues: Challenges and Solutions)
Pode ser encontrada no site a seguir na amazon.com:
http://www.amazon.com/dp/0313354898/ref=pe_606_15192560_pe_ar_t7#noop
Clicando no link pode ser visto um pedaço da obra
Blog para discussão de direito e cultura em geral. Construindo conceitos e pontes entre ambos.
terça-feira, 27 de abril de 2010
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Schawas
A Suprema Corte dos EUA está decidindo se é constitucional a postura do Estado da Califórnia em limitar a comercialização de jogos de videogame com conteúdo violento. O caso é o seguinte:
"Schwarzenegger v. Entertainment Merchants Association"
Trata-se de um "Writ of Certiorari" apresentado ainda em 2009, cujo conteúdo integral pode ser acessado no link a seguir:
http://www.scotusblog.com/wp-content/uploads/2010/04/08-1448_pet1.pdf
A resposta pode ser vista no link a seguir:
http://www.scotusblog.com/wp-content/uploads/2010/04/08-1448_bio.pdf
"Schwarzenegger v. Entertainment Merchants Association"
Trata-se de um "Writ of Certiorari" apresentado ainda em 2009, cujo conteúdo integral pode ser acessado no link a seguir:
http://www.scotusblog.com/wp-content/uploads/2010/04/08-1448_pet1.pdf
A resposta pode ser vista no link a seguir:
http://www.scotusblog.com/wp-content/uploads/2010/04/08-1448_bio.pdf
domingo, 25 de abril de 2010
Excesso de população carcerária
Post muito interessante de Robert Gargarella sobre superlotação na Argentina:
http://seminariogargarella.blogspot.com/
fallo interesante sobre el tema, acá
Causa n° 14.355; "Mestrín, María Fernanda; Verbitsky, Horacio s/ hábeas corpus". Sala Iª.
SUPERPOBLACIÓN Y HACINAMIENTO EN LA CÁRCEL DE BATÁN. DEFICITARIAS CONDICIONES DE SANIDAD, SALUBRIDAD E HIGIENE EN LA UNIDAD PENAL N° 15.
HÁBEAS CORPUS CORRECTIVO Y COLECTIVO, INTERPUESTO POR LA DEFENSA OFICIAL Y POR EL CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES (CELS).
http://seminariogargarella.blogspot.com/
23/04/2010
Superpoblación en la cárcel
Publicado por rg
Causa n° 14.355; "Mestrín, María Fernanda; Verbitsky, Horacio s/ hábeas corpus". Sala Iª.
SUPERPOBLACIÓN Y HACINAMIENTO EN LA CÁRCEL DE BATÁN. DEFICITARIAS CONDICIONES DE SANIDAD, SALUBRIDAD E HIGIENE EN LA UNIDAD PENAL N° 15.
HÁBEAS CORPUS CORRECTIVO Y COLECTIVO, INTERPUESTO POR LA DEFENSA OFICIAL Y POR EL CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES (CELS).
O livro acima chamou despertou minha atenção. Tive contato a partir de uma entrevista que seu organizador, Antonio Marquina, deu ao Jornal Português Sapo, DN Portugal. Ele analisa o futuro oriundo dos atuais conflitos climáticos, inclusive com repercussões na área de imigração entre países, fome mundial com o aumento de alguns graus na temperatura do planeta, enfim, um quadro real e vivenciado por todos nós. Não se trata de um leigo. É professor catedrático da Universidade Complutense de Madrid, área de relações internacionais. Por certo, não emprestaria seu nome e prestígio a uma obra alarmista e sem consequencias.
Aproveitando o ensejo: é surpreendente a quantidade de desastres naturais que estão ocorrendo ao mesmo tempo no planeta. Não sou catastrófico e alarmista. Mas, não deixa de chamar a atenção o volume de terremotos, erupções, tsunamis e similares em tão curto espaço de tempo. Isso leva a uma tomada de consciência de nós e da humanidade em geral. Não somos eternos, é um fato. E a consciência de nossa particular condição deve estar sempre em nosso horizonte.
A obra acima pode ser adquirida na livraria amazon.com no endereço a seguir:
http://www.amazon.com/Global-Warming-Climate-Change-Environment/dp/0230237711/ref=sr_1_2?ie=UTF8&s=books&qid=1272211030&sr=8-2#noop
Clicando no link acima ainda dá para ver alguns pedaços da obra.
Segue a entrevista mencionada no jornal de Portugal:
ENTREVISTA: Antonio Marquina
"Alterações climáticas vão originar Estados 'falhados' e autoritários"
por MARIA DE LURDES VALEHoje
Alerta: não é o fim do mundo, mas pode ser o fim de muitos Estados. Antonio Marquina, catedrático de Relações Internacionais da Universidade Complutense de Madrid e coordenador do livro 'Global Warming and Climate Change - Prospects and Policies in Asia and Europe', editado em Nova Iorque, Londres e Sydney, avisa que a segurança entre vários países está em risco devido ao aquecimento global e à desertificação
Antonio Marquina, professor catedrático de Relações Internacionais na Universidade Complutense em Madrid, acaba de editar o livro Global Warming and Climate Change - Prospects and Policies in Asia and Europe -, que perspectiva o impacto e as consequências do aquecimento global e das alterações climáticas na Ásia e na Europa. A obra, que começou a ser preparada há três anos e tem contributos de 29 especialistas asiáticos e europeus, chama a atenção para os problemas de segurança, que vão colocar-se a nível mundial, devido à proliferação de Estados "falhados", como a Somália e o Afeganistão.
A falta de água, de alimentos e de condições de vida mínimas, nomeadamente em alguns países asiáticos e no Norte de África, provocarão novas migrações e o surgimento de mais regimes autoritários. O Norte e o Sul da Europa, dentro de 30 anos, serão igualmente duas realidades bem distintas e haverá uma profunda clivagem entre os países que hoje fazem parte da União Europeia.
No livro descrevem-se situações provocadas pelas alterações climáticas que podem colocar em causa a segurança humana. Trata-se de um alerta?
Mais que isso, é uma reflexão sobre dados científicos que temos e que conhecemos e sobre aspectos que ainda hoje nos parecem pouco compreensíveis. Ainda não sabemos ao certo as interconexões de determinados fenómenos, mas, em função do que conhecemos, deduzimos uma série de consequências muito importantes e às quais há que dar a maior atenção. Gostaríamos que os governos e a opinião pública reflectissem sobre as consequências do aquecimento global nas vidas das pessoas, já que vai ter um impacto importante na vida de milhões de pessoas. Muitos países perderão força, capacidade de governo, de fornecer serviços públicos... E outros haverá que, devido a esta incapacidade, entrarão em colapso e terão graves convulsões políticas e sociais.
Aquilo a que chama "Estados falhados"...
Sem ser alarmista - a partir de 2030 até final do século - verificamos que há problemas de uma certa envergadura que, em função de uma extrapolação sobre a aplicação das políticas de mitigação ou de adaptação que existem, vão ter consequências terríveis se não se fizer algo mais. Haverá muitos países perdedores, muitos, e também ganhadores.
A que países se refere?
Estamos a falar de países da Ásia e da periferia da Europa.
Do Sul?
Sim. O Sul da Europa vai ser o grande perdedor devido às alterações climáticas. Perde no crescimento económico, nos recursos disponíveis, na disponibilidade de água. Terá de reorientar a despesa pública e não pública para os recursos básicos que vão escassear.
Vamos ter então conflitos por causa da água, dos alimentos... por causa da sobrevivência mais básica?
Primeiro vamos ter uma nova afectação de recursos, que deveriam ser destinados à melhoria da vida da população. Essa nova gestão dos recursos será essencial para que as populações possam comer e beber e também para uma distribuição de água pela agricultura, indústria, urbanização... A redistribuição vai ser complicada e há processos que já não têm solução. Por exemplo o da água dos rios em muitos países da bacia do Mediterrâneo, no Norte e no Sul, que já registam uma redução muito significativa ao longo dos últimos 40 anos. Em Marrocos, verificou-se nas ultimas quatro décadas uma diminuição de 35% no fluxo de água dos rios.
É possível que a temperatura suba 1 ou 2 graus na próxima década? Isso agravará a situação?
Depende das zonas. Para o Mediterrâneo, calcula-se - sendo optimista - que possa chegar a subir cinco ou seis graus ainda neste século. Em 2020, a subida das temperaturas, com base em medições realizadas nos anos 50 ou 60, poderá chegar a ser de um ou dois graus. Se ultrapassar este valor, imagine-se o que vai custar a adaptação a essa nova realidade.
E quais serão as consequências para a Península Ibérica?
Vão ser consequências líquidas. Boa parte das verbas que se poderiam empregar, por exemplo para o bem-estar da população, para melhores cidades, melhor meio ambiente, para o habitat, vão ter de ser para algo mais básico, que tem a ver com a água. Mas onde vamos conseguir água suficiente para tantas pessoas?
Há dados que podem demonstrar que isso vai realmente acontecer assim?
Os dados com que trabalhamos resultam de investigações feitas ao longo de anos. Na questão da água citamos estudos feitos pela União Europeia e pelo Ministério do Ambiente espanhol para o caso de Espanha. Os mapas são projecções que se fazem da actualidade até 2030 acerca de reservas e diminuições de recursos de água que são muito significativas em todo o Sul da Europa. A água para a agricultura vai reduzir-se drasticamente porque esta tem de servir também para as cidades e para a indústria. Essa vai ser a questão mais importante para que os governos tomem decisões nos próximos anos. Já é possível calcular os gastos em dessalinizadoras, em energia para tirar o sal à água, em instalações e na depuração da água para que possa ser reutilizada.
Vamos então pagar muito caro a água e a alimentação?
Sim, vai ser muito caro.
A Península Ibérica vai desertificar-se?
Sim, a desertificação é crescente. Mas, para já, é muito mais grave o que está a passar-se no Norte de África. O processo de desertificação em Marrocos, Argélia, Tunísia, até ao Egipto, é enorme. Isso vai provocar novas migrações? A Europa vai estar mais pressionada... Sem nenhuma dúvida.
Mas, se no Sul da Europa também houver escassez de água e de alimentos, para onde vão esses imigrantes que vêm do Norte de África?
O impacto vai ser muito diferente, dependendo dos casos. Por exemplo em Marrocos, em que 44% da população vivem da agricultura, mas que é uma agricultura de subsistência, que está nos limites, qualquer subida de temperatura de um grau ou de dois graus, qualquer alteração na estação das chuvas - antes era de seis em seis meses, agora é de três em três - poderá agravar a situação agrícola que, como disse, já está a atingir os limites. A Líbia e a Argélia também estão na mesma situação. O único país que se salva, para já, a nível agrícola, é o Egipto por causa do delta do Nilo. Mas isso só será assim enquanto o nível do mar não subir. Ora, os números mais conservadores falam de uma subida do nível do mar de meio metro neste século. Há outros estudos que indicam um metro, metro e meio e até dois metros...
Neste livro, há também uma importante abordagem aos problemas da segurança provocados por estas alterações do clima. Quais são as perspectivas? Terá de haver intervenções militares?
O que sabemos é que há questões muito sérias, que vão afectar a vida das pessoas, dos Estados, da segurança estatal. Se há Estados falhados ou Estados que se debilitam muito e onde a autoridade central não chega - caso da Somália e Afeganistão - que começam a dar problemas e a afectar a segurança de milhões de cidadãos, então vamos ter de acabar por intervir. Isso é uma das coisas que dizemos neste livro. Trata-se da responsabilidade de proteger que actualmente só se aplica para casos de grandes massacres. Mas, se isto continua assim, o Conselho de Segurança da ONU vai ter de reconhecer que existe a necessidade e a responsabilidade de proteger os cidadãos de Estados que são incapazes de fornecer o mínimo, porque estão enfraquecidos, porque dependem da importação para sobreviver ou porque tem imigrações internas maciças. Estes Estados vão estar sem capacidade para enfrentar seja o que for.
Significa que vai haver uma grande clivagem entre o Norte e o Sul?
O entendimento entre o Norte e o Sul será cada vez mais difícil. E note-se que a tendência é para o agravamento dos regimes autoritários. Na Ásia, estes casos já são notórios e no Norte de África, também. Os regimes só mudam em função da alternativa que as pessoas têm para viver melhor.
E a Europa?
Partindo de um estudo e projecções de alterações climáticas graduais, é claro que os países do Norte da Europa irão aumentar o seu poder em relação aos países do Sul, que estarão mais debilitados. O equilíbrio de forças vai mudar.
As alterações climáticas tornaram-se uma prioridade dos líderes europeus. A União Europeia tem feito um bom trabalho de casa?
A Europa fez o que tinha a fazer e fê-lo inclusivamente bem na Cimeira de Copenhaga. O que se passa é que ninguém segue a Europa nesta questão. A União Europeia tem de ser mais pragmática, mais negociadora. Afirmar- -se como actor normativo não a levou a sítio nenhum. Pode ser que tenha de ser necessário reduzir um pouco as suas posições para poder convencer a China, a Índia e os EUA e chegar a acordos concretos. As políticas de mitigação e de adaptação às alterações climáticas são muito diferentes na Ásia e na Europa. Com a excepção do Japão e da Coreia do Sul, ninguém na Ásia fez ainda nada.
sábado, 24 de abril de 2010
Laurence Triebe e Governo Obama
Laurence Tribe tem 68 anos e é um dos maiores constitucionalistas vivos. Norte-americano, foi um dos entusiastas da campanha do Presidente Obama. Na matéria a seguir do New York Times, ele aparece trabalhando no atendimento direto ao público, de modo a discutir formas de acesso à Justiça:
http://www.nytimes.com/2010/04/08/us/politics/08tribe.html?scp=1&sq=tribe&st=cse
http://www.nytimes.com/2010/04/08/us/politics/08tribe.html?scp=1&sq=tribe&st=cse
Direito à Saúde e STF
Deve ser transcrito o mais recente voto do Ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal acerca do direito à saúde. Uma aula de direito constitucional:
Direito à Saúde - Reserva do Possível - “Escolhas Trágicas” - Omissões Inconstitucionais - Políticas Públicas - Princípio que Veda o Retrocesso Social (Transcrições)
(v. Informativo 579)
STA 175-AgR/CE*
RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE
V O T O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à saúde não podem ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário.
O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de proteção ao direito à saúde, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público, ainda mais se se tiver presente que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser (necessariamente) implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis.
Ao julgar a ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, proferi decisão assim ementada (Informativo/STF nº 345/2004):
“ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).”
Salientei, então, em referida decisão, que o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais que se identificam - enquanto direitos de segunda geração - com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 199/1219-1220, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional, motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO), o Supremo Tribunal Federal:
“DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.
- O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um ‘facere’ (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
- Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse ‘non facere’ ou ‘non praestare’, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
...................................................
- A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.”
(RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
É certo - tal como observei no exame da ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004) - que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.
Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame.
Mais do que nunca, Senhor Presidente, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa.
Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de proteção ao direito à saúde.
Cabe referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, ilustre Procuradora Regional da República (“Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, 2000, Max Limonad), cujo magistério, a propósito da limitada discricionariedade governamental em tema de concretização das políticas públicas constitucionais, corretamente assinala:
“Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.
...................................................
Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social.
...................................................
Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.
...................................................
As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.” (grifei)
Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.
Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele - a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004).
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” — ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível — não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde — que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) — tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial.
O caso ora em exame, Senhor Presidente, põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo, o direito à saúde, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 196 da Constituição da República, que assim dispõe:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (grifei)
Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa.
A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal que a instituição governamental interessada deduziu na presente causa.
Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput”, e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
Essa relação dilemática, que se instaura na presente causa, conduz os Juízes deste Supremo Tribunal a proferir decisão que se projeta no contexto das denominadas “escolhas trágicas” (GUIDO CALABRESI e PHILIP BOBBITT, “Tragic Choices”, 1978, W. W. Norton & Company), que nada mais exprimem senão o estado de tensão dialética entre a necessidade estatal de tornar concretas e reais as ações e prestações de saúde em favor das pessoas, de um lado, e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros, sempre tão dramaticamente escassos, de outro.
Mas, como precedentemente acentuado, a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde.
Cumpre não perder de perspectiva, por isso mesmo, que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível, assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) - não pode convertê-la em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as ações e prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas — preventivas e de recuperação —, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República, tal como este Supremo Tribunal tem reiteradamente reconhecido:
“O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
- O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode convertê-la em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR.
- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, ‘caput’, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.”
(RE 393.175-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
O sentido de fundamentalidade do direito à saúde — que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas — impõe, ao Poder Público, um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.
É por tal razão, Senhor Presidente, que tenho proferido inúmeras decisões, nesta Suprema Corte, em plena harmonia com esse entendimento, sempre a fazer prevalecer, nos casos por mim julgados (RTJ 175/1212-1213, v.g.), o direito fundamental à vida, de que o direito à saúde representa um indissociável consectário, como o atestam os seguintes julgamentos de que fui Relator:
- RE 556.886/ES (adenocarcinoma de próstata)
- AI 457.544/RS (artrite reumatóide)
- AI 583.067/RS (cardiopatia isquêmica grave)
- RE 393.175-AgR/RS (esquizofrenia paranóide)
- RE 198.265/RS (fenilcetonúria)
- AI 570.455/RS (glaucoma crônico)
- AI 635.475/PR (hepatite “c”)
- AI 634.282/PR (hiperprolactinemia)
- RE 273.834-AgR/RS (HIV)
- RE 271.286-AgR/RS (HIV)
- RE 556.288/ES (insuficiência coronariana)
- AI 620.393/MG (leucemia mielóide crônica)
- AI 676.926/RJ (lipoparatireoidismo)
- AI 468.961/MG (lúpus eritematoso sistêmico)
- RE 568.073/RN (melanoma com acometimento cerebral)
- RE 523.725/ES (migatia mitocondrial)
- AI 547.758/RS (neoplasia maligna cerebral)
- AI 626.570/RS (neoplasia maligna cerebral)
- RE 557.548/MG (osteomielite crônica)
- AI 452.312/RS (paralisia cerebral)
- AI 645.736/RS (processo expansivo intracraniano)
- RE 248.304/RS (status marmóreo)
- AI 647.296/SC (transplante renal)
- RE 556.164/ES (transplante renal)
- RE 569.289/ES (transplante renal)
Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais — que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Poder Constituinte e Poder Popular”, p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) —, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição.
Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito — como o direito à saúde — se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.
Cumpre assinalar que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.
Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que o Estado não poderá demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhe foi outorgado pelo art. 196, da Constituição, e que representa - como anteriormente já acentuado - fator de limitação da discricionariedade político-administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à saúde, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.
Entendo, por isso mesmo, que se revela inacolhível a pretensão recursal deduzida pela entidade estatal interessada, notadamente em face da jurisprudência que se formou, no Supremo Tribunal Federal, sobre a questão ora em análise.
Nem se atribua, indevidamente, ao Judiciário, no contexto em exame, uma (inexistente) intrusão em esfera reservada aos demais Poderes da República.
É que, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário (de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito), inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos.
Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivam restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão institucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República.
A colmatação de omissões inconstitucionais, realizada em sede jurisdicional, notadamente quando emanada desta Corte Suprema, torna-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade.
As situações configuradoras de omissão inconstitucional — ainda que se cuide de omissão parcial derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política — refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se como uma das causas geradoras dos processos informais de mudança da Constituição, tal como o revela autorizado magistério doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max Limonad; JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Fundamentos da Constituição”, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora).
O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.
Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.
A percepção da gravidade e das conseqüências lesivas derivadas do gesto infiel do Poder Público que transgride, por omissão ou por insatisfatória concretização, os encargos de que se tornou depositário, por efeito de expressa determinação constitucional, foi revelada, entre nós, já no período monárquico, em lúcido magistério, por PIMENTA BUENO (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p. 45, reedição do Ministério da Justiça, 1958) e reafirmada por eminentes autores contemporâneos em lições que acentuam o desvalor jurídico do comportamento estatal omissivo (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998, Malheiros; ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 217/218, 1986, Max Limonad; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo I/15-16, 2ª ed., 1970, RT, v.g.).
O desprestígio da Constituição — por inércia de órgãos meramente constituídos — representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado.
Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (“Teoria de la Constitución”, p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita, como já ressaltado, pelo Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos, como resulta evidente da seguinte decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:
“(...) DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA.
- O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório - infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI 1.484-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
- A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.
DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO E DEVER CONSTITUCIONAL DE LEGISLAR: A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO PERTINENTE NEXO DE CAUSALIDADE.
- O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir - simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público. (...).”
(RTJ 183/818-819, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente nas áreas de educação infantil (RTJ 199/1219-1220) e de saúde pública (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213), a Corte Suprema brasileira tem proferido decisões que neutralizam os efeitos nocivos, lesivos e perversos resultantes da inatividade governamental, em situações nas quais a omissão do Poder Público representava um inaceitável insulto a direitos básicos assegurados pela própria Constituição da República, mas cujo exercício estava sendo inviabilizado por contumaz (e irresponsável) inércia do aparelho estatal.
O Supremo Tribunal Federal, em referidos julgamentos, colmatou a omissão governamental e conferiu real efetividade a direitos essenciais, dando-lhes concreção e, desse modo, viabilizando o acesso das pessoas à plena fruição de direitos fundamentais, cuja realização prática lhes estava sendo negada, injustamente, por arbitrária abstenção do Poder Público.
Para além de todas as considerações que venho de fazer, há, ainda, Senhor Presidente, um outro parâmetro constitucional que merece ser invocado.
Refiro-me ao princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive, consoante adverte autorizado magistério doutrinário (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais”, 1ª ed./2ª tir., p. 127/128, 2002, Brasília Jurídica; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 320/322, item n. 03, 1998, Almedina; ANDREAS JOACHIM KRELL, “Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p. 40, 2002, 2002, Sergio Antonio Fabris Editor, INGO W. SARLET, “Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988”, “in” Revista Público, p. 99, n. 12, 2001).
Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em conseqüência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses — de todo inocorrente na espécie — em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais.
Lapidar, sob todos os aspectos, o magistério de J. J. GOMES CANOTILHO, cuja lição, a propósito do tema, estimula as seguintes reflexões (“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 1998, Almedina, p. 320/321, item n. 3):
“O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social.
A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação no núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente aniquiladoras da chamada justiça social. Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que extinga o direito a subsídio de desemprego ou pretenda alargar desproporcionadamente o tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à reforma (...). De qualquer modo, mesmo que se afirme sem reservas a liberdade de conformação do legislador nas leis sociais, as eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do Estado de direito vinculativos da actividade legislativa e o núcleo essencial dos direitos sociais. O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei da segurança social’, ‘lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura a simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado.” (grifei)
Bem por isso, o Tribunal Constitucional português (Acórdão nº 39/84), ao invocar a cláusula da proibição do retrocesso, reconheceu a inconstitucionalidade de ato estatal que revogara garantias já conquistadas em tema de saúde pública, vindo a proferir decisão assim resumida pelo ilustre Relator da causa, Conselheiro VITAL MOREIRA, em douto voto de que extraio o seguinte fragmento (“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 3/95-131, 117-118, 1984, Imprensa Nacional, Lisboa):
“Que o Estado não dê a devida realização às tarefas constitucionais, concretas e determinadas, que lhe estão cometidas, isso só poderá ser objecto de censura constitucional em sede de inconstitucionalidade por omissão. Mas quando desfaz o que já havia sido realizado para cumprir essa tarefa, e com isso atinge uma garantia de um direito fundamental, então a censura constitucional já se coloca no plano da própria inconstitucionalidade por acção.
Se a Constituição impõe ao Estado a realização de uma determinada tarefa - a criação de uma certa instituição, uma determinada alteração na ordem jurídica -, então, quando ela seja levada a cabo, o resultado passa a ter a protecção directa da Constituição. O Estado não pode voltar atrás, não pode descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na situação de devedor. (...) Se o fizesse, incorreria em violação positiva (...) da Constituição.
...................................................
Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para o Estado em obrigação de fazer, sobretudo de criar certas instituições públicas (sistema escolar, sistema de segurança social, etc.). Enquanto elas não forem criadas, a Constituição só pode fundamentar exigências para que se criem; mas após terem sido criadas, a Constituição passa a proteger a sua existência, como se já existissem à data da Constituição. As tarefas constitucionais impostas ao Estado em sede de direitos fundamentais no sentido de criar certas instituições ou serviços não o obrigam apenas a criá-los, obrigam-no também a não aboli-los uma vez criados.
Quer isto dizer que a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixar de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar (ou passar também a ser) numa obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social.
Este enfoque dos direitos sociais faz hoje parte integrante da concepção deles a teoria constitucional, mesmo lá onde é escasso o elenco constitucional de direitos sociais e onde, portanto, eles têm de ser extraídos de cláusulas gerais, como a cláusula do ‘Estado social’.” (grifei)
Concluo o meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, devo observar que a ineficiência administrativa, o descaso governamental com direitos básicos da pessoa (como o direito à saúde), a incapacidade de gerir os recursos públicos, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a proteção à saúde, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, da norma inscrita no art. 196 da Constituição da República, que traduz e impõe, ao Estado, um dever inafastável, sob pena de a ilegitimidade dessa inaceitável omissão governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental e que é, no contexto ora examinado, o direito à saúde.
Sendo assim, em face das razões expostas, e considerando, sobretudo, Senhor Presidente, o magnífico voto proferido por Vossa Excelência, nego provimento ao recurso de agravo interposto pela União Federal.
É o meu voto.
Direito à Saúde - Reserva do Possível - “Escolhas Trágicas” - Omissões Inconstitucionais - Políticas Públicas - Princípio que Veda o Retrocesso Social (Transcrições)
(v. Informativo 579)
STA 175-AgR/CE*
RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE
V O T O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à saúde não podem ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário.
O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de proteção ao direito à saúde, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público, ainda mais se se tiver presente que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser (necessariamente) implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis.
Ao julgar a ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, proferi decisão assim ementada (Informativo/STF nº 345/2004):
“ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).”
Salientei, então, em referida decisão, que o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais que se identificam - enquanto direitos de segunda geração - com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 199/1219-1220, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional, motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO), o Supremo Tribunal Federal:
“DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.
- O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um ‘facere’ (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
- Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse ‘non facere’ ou ‘non praestare’, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
...................................................
- A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.”
(RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
É certo - tal como observei no exame da ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004) - que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.
Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame.
Mais do que nunca, Senhor Presidente, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa.
Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de proteção ao direito à saúde.
Cabe referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, ilustre Procuradora Regional da República (“Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, 2000, Max Limonad), cujo magistério, a propósito da limitada discricionariedade governamental em tema de concretização das políticas públicas constitucionais, corretamente assinala:
“Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.
...................................................
Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social.
...................................................
Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.
...................................................
As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.” (grifei)
Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.
Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele - a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004).
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” — ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível — não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde — que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) — tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial.
O caso ora em exame, Senhor Presidente, põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo, o direito à saúde, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 196 da Constituição da República, que assim dispõe:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (grifei)
Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa.
A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal que a instituição governamental interessada deduziu na presente causa.
Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput”, e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
Essa relação dilemática, que se instaura na presente causa, conduz os Juízes deste Supremo Tribunal a proferir decisão que se projeta no contexto das denominadas “escolhas trágicas” (GUIDO CALABRESI e PHILIP BOBBITT, “Tragic Choices”, 1978, W. W. Norton & Company), que nada mais exprimem senão o estado de tensão dialética entre a necessidade estatal de tornar concretas e reais as ações e prestações de saúde em favor das pessoas, de um lado, e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros, sempre tão dramaticamente escassos, de outro.
Mas, como precedentemente acentuado, a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde.
Cumpre não perder de perspectiva, por isso mesmo, que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível, assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) - não pode convertê-la em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as ações e prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas — preventivas e de recuperação —, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República, tal como este Supremo Tribunal tem reiteradamente reconhecido:
“O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
- O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode convertê-la em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR.
- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, ‘caput’, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.”
(RE 393.175-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
O sentido de fundamentalidade do direito à saúde — que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas — impõe, ao Poder Público, um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.
É por tal razão, Senhor Presidente, que tenho proferido inúmeras decisões, nesta Suprema Corte, em plena harmonia com esse entendimento, sempre a fazer prevalecer, nos casos por mim julgados (RTJ 175/1212-1213, v.g.), o direito fundamental à vida, de que o direito à saúde representa um indissociável consectário, como o atestam os seguintes julgamentos de que fui Relator:
- RE 556.886/ES (adenocarcinoma de próstata)
- AI 457.544/RS (artrite reumatóide)
- AI 583.067/RS (cardiopatia isquêmica grave)
- RE 393.175-AgR/RS (esquizofrenia paranóide)
- RE 198.265/RS (fenilcetonúria)
- AI 570.455/RS (glaucoma crônico)
- AI 635.475/PR (hepatite “c”)
- AI 634.282/PR (hiperprolactinemia)
- RE 273.834-AgR/RS (HIV)
- RE 271.286-AgR/RS (HIV)
- RE 556.288/ES (insuficiência coronariana)
- AI 620.393/MG (leucemia mielóide crônica)
- AI 676.926/RJ (lipoparatireoidismo)
- AI 468.961/MG (lúpus eritematoso sistêmico)
- RE 568.073/RN (melanoma com acometimento cerebral)
- RE 523.725/ES (migatia mitocondrial)
- AI 547.758/RS (neoplasia maligna cerebral)
- AI 626.570/RS (neoplasia maligna cerebral)
- RE 557.548/MG (osteomielite crônica)
- AI 452.312/RS (paralisia cerebral)
- AI 645.736/RS (processo expansivo intracraniano)
- RE 248.304/RS (status marmóreo)
- AI 647.296/SC (transplante renal)
- RE 556.164/ES (transplante renal)
- RE 569.289/ES (transplante renal)
Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais — que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Poder Constituinte e Poder Popular”, p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) —, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição.
Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito — como o direito à saúde — se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.
Cumpre assinalar que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.
Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que o Estado não poderá demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhe foi outorgado pelo art. 196, da Constituição, e que representa - como anteriormente já acentuado - fator de limitação da discricionariedade político-administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à saúde, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.
Entendo, por isso mesmo, que se revela inacolhível a pretensão recursal deduzida pela entidade estatal interessada, notadamente em face da jurisprudência que se formou, no Supremo Tribunal Federal, sobre a questão ora em análise.
Nem se atribua, indevidamente, ao Judiciário, no contexto em exame, uma (inexistente) intrusão em esfera reservada aos demais Poderes da República.
É que, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário (de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito), inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos.
Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivam restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão institucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República.
A colmatação de omissões inconstitucionais, realizada em sede jurisdicional, notadamente quando emanada desta Corte Suprema, torna-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade.
As situações configuradoras de omissão inconstitucional — ainda que se cuide de omissão parcial derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política — refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se como uma das causas geradoras dos processos informais de mudança da Constituição, tal como o revela autorizado magistério doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max Limonad; JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Fundamentos da Constituição”, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora).
O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.
Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.
A percepção da gravidade e das conseqüências lesivas derivadas do gesto infiel do Poder Público que transgride, por omissão ou por insatisfatória concretização, os encargos de que se tornou depositário, por efeito de expressa determinação constitucional, foi revelada, entre nós, já no período monárquico, em lúcido magistério, por PIMENTA BUENO (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p. 45, reedição do Ministério da Justiça, 1958) e reafirmada por eminentes autores contemporâneos em lições que acentuam o desvalor jurídico do comportamento estatal omissivo (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998, Malheiros; ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 217/218, 1986, Max Limonad; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo I/15-16, 2ª ed., 1970, RT, v.g.).
O desprestígio da Constituição — por inércia de órgãos meramente constituídos — representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado.
Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (“Teoria de la Constitución”, p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita, como já ressaltado, pelo Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos, como resulta evidente da seguinte decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:
“(...) DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA.
- O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório - infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI 1.484-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
- A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.
DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO E DEVER CONSTITUCIONAL DE LEGISLAR: A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO PERTINENTE NEXO DE CAUSALIDADE.
- O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir - simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público. (...).”
(RTJ 183/818-819, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente nas áreas de educação infantil (RTJ 199/1219-1220) e de saúde pública (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213), a Corte Suprema brasileira tem proferido decisões que neutralizam os efeitos nocivos, lesivos e perversos resultantes da inatividade governamental, em situações nas quais a omissão do Poder Público representava um inaceitável insulto a direitos básicos assegurados pela própria Constituição da República, mas cujo exercício estava sendo inviabilizado por contumaz (e irresponsável) inércia do aparelho estatal.
O Supremo Tribunal Federal, em referidos julgamentos, colmatou a omissão governamental e conferiu real efetividade a direitos essenciais, dando-lhes concreção e, desse modo, viabilizando o acesso das pessoas à plena fruição de direitos fundamentais, cuja realização prática lhes estava sendo negada, injustamente, por arbitrária abstenção do Poder Público.
Para além de todas as considerações que venho de fazer, há, ainda, Senhor Presidente, um outro parâmetro constitucional que merece ser invocado.
Refiro-me ao princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive, consoante adverte autorizado magistério doutrinário (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais”, 1ª ed./2ª tir., p. 127/128, 2002, Brasília Jurídica; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 320/322, item n. 03, 1998, Almedina; ANDREAS JOACHIM KRELL, “Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p. 40, 2002, 2002, Sergio Antonio Fabris Editor, INGO W. SARLET, “Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988”, “in” Revista Público, p. 99, n. 12, 2001).
Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em conseqüência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses — de todo inocorrente na espécie — em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais.
Lapidar, sob todos os aspectos, o magistério de J. J. GOMES CANOTILHO, cuja lição, a propósito do tema, estimula as seguintes reflexões (“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 1998, Almedina, p. 320/321, item n. 3):
“O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social.
A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação no núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente aniquiladoras da chamada justiça social. Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que extinga o direito a subsídio de desemprego ou pretenda alargar desproporcionadamente o tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à reforma (...). De qualquer modo, mesmo que se afirme sem reservas a liberdade de conformação do legislador nas leis sociais, as eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do Estado de direito vinculativos da actividade legislativa e o núcleo essencial dos direitos sociais. O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei da segurança social’, ‘lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura a simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado.” (grifei)
Bem por isso, o Tribunal Constitucional português (Acórdão nº 39/84), ao invocar a cláusula da proibição do retrocesso, reconheceu a inconstitucionalidade de ato estatal que revogara garantias já conquistadas em tema de saúde pública, vindo a proferir decisão assim resumida pelo ilustre Relator da causa, Conselheiro VITAL MOREIRA, em douto voto de que extraio o seguinte fragmento (“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 3/95-131, 117-118, 1984, Imprensa Nacional, Lisboa):
“Que o Estado não dê a devida realização às tarefas constitucionais, concretas e determinadas, que lhe estão cometidas, isso só poderá ser objecto de censura constitucional em sede de inconstitucionalidade por omissão. Mas quando desfaz o que já havia sido realizado para cumprir essa tarefa, e com isso atinge uma garantia de um direito fundamental, então a censura constitucional já se coloca no plano da própria inconstitucionalidade por acção.
Se a Constituição impõe ao Estado a realização de uma determinada tarefa - a criação de uma certa instituição, uma determinada alteração na ordem jurídica -, então, quando ela seja levada a cabo, o resultado passa a ter a protecção directa da Constituição. O Estado não pode voltar atrás, não pode descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na situação de devedor. (...) Se o fizesse, incorreria em violação positiva (...) da Constituição.
...................................................
Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para o Estado em obrigação de fazer, sobretudo de criar certas instituições públicas (sistema escolar, sistema de segurança social, etc.). Enquanto elas não forem criadas, a Constituição só pode fundamentar exigências para que se criem; mas após terem sido criadas, a Constituição passa a proteger a sua existência, como se já existissem à data da Constituição. As tarefas constitucionais impostas ao Estado em sede de direitos fundamentais no sentido de criar certas instituições ou serviços não o obrigam apenas a criá-los, obrigam-no também a não aboli-los uma vez criados.
Quer isto dizer que a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixar de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar (ou passar também a ser) numa obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social.
Este enfoque dos direitos sociais faz hoje parte integrante da concepção deles a teoria constitucional, mesmo lá onde é escasso o elenco constitucional de direitos sociais e onde, portanto, eles têm de ser extraídos de cláusulas gerais, como a cláusula do ‘Estado social’.” (grifei)
Concluo o meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, devo observar que a ineficiência administrativa, o descaso governamental com direitos básicos da pessoa (como o direito à saúde), a incapacidade de gerir os recursos públicos, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a proteção à saúde, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, da norma inscrita no art. 196 da Constituição da República, que traduz e impõe, ao Estado, um dever inafastável, sob pena de a ilegitimidade dessa inaceitável omissão governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental e que é, no contexto ora examinado, o direito à saúde.
Sendo assim, em face das razões expostas, e considerando, sobretudo, Senhor Presidente, o magnífico voto proferido por Vossa Excelência, nego provimento ao recurso de agravo interposto pela União Federal.
É o meu voto.
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Rússia suspende adoções por americanos
Saiu no NY Times.
A Rússia suspendeu a adoção internacional por americanos até segunda ordem. Uma criança de sete anos foi enviada para a cidade de Nebraska aos cuidados de uma enfermeira. Pouco tempo depois, ela disse não mais suportar a criança. E a encaminhou sozinha de volta a Rússia. As autoridades Russas disseram nada ver de estranho na criança, o que está sendo objeto de investigação nos EUA.
http://www.nytimes.com/2010/04/16/world/europe/16adopt.html?hp
A Rússia suspendeu a adoção internacional por americanos até segunda ordem. Uma criança de sete anos foi enviada para a cidade de Nebraska aos cuidados de uma enfermeira. Pouco tempo depois, ela disse não mais suportar a criança. E a encaminhou sozinha de volta a Rússia. As autoridades Russas disseram nada ver de estranho na criança, o que está sendo objeto de investigação nos EUA.
http://www.nytimes.com/2010/04/16/world/europe/16adopt.html?hp
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Novo Ministro da Suprema Corte dos EUA
Hoje foi publicado um artigo interessantíssimo no NY Times sobre a escolha do novo membro da Suprema Corte dos EUA. Vários juristas norte-americano se manifestaram sobre o caso, inclusive mencionando que dos Ministros quase nenhum era protestante, havendo a predominância de católicos. Ao final do artigo, há inclusive a menção, talvez jocosa, que o Presidente Obama possa quebrar tabus e nomear um protestante gay:
http://www.nytimes.com/2010/04/11/weekinreview/11liptak.html?hpw
http://www.nytimes.com/2010/04/11/weekinreview/11liptak.html?hpw
Aborto e capacidade de sentir dor - Nebraska
Nos Estados Unidos, em Nebraska, houve a aprovação de uma lei restringido abortos, com restrições para sua realização após 20 semanas (com exceções, claro). Porém, o argumento novo é que chamou a atenção: a idéia de que após determinado periodo o feto teria a capacidade de sentir dor. Tal questão não costuma ser tratada pelos tribunais norte-americanos, que muitas vezes conduzem a discussão com base na idéia de saúde da melhor, sendo o aborto uma expressão de sua liberdade.
Uma excelente obra que cuida da matéria em um dos capítulos é "o Direito da Liberdade - A Leitura Moral da Constituição Norte-Americana", do grande Ronald Dworkin, em que ele discorre sobre a posição de cada um dos Ministros que participaram do célebre julgamento Roe v. Wade, que autorizou o aborto por lá. É de se notar, por curioso, que em data recente a senhora que deu origem a esse caso apresentou um pedido solicitando a revisão do precedente, por estar arrependida de sua atitude abortiva.
O link da notícia no New York Times segue:
http://www.nytimes.com/2010/04/14/us/14abortion.html?hpw
Uma excelente obra que cuida da matéria em um dos capítulos é "o Direito da Liberdade - A Leitura Moral da Constituição Norte-Americana", do grande Ronald Dworkin, em que ele discorre sobre a posição de cada um dos Ministros que participaram do célebre julgamento Roe v. Wade, que autorizou o aborto por lá. É de se notar, por curioso, que em data recente a senhora que deu origem a esse caso apresentou um pedido solicitando a revisão do precedente, por estar arrependida de sua atitude abortiva.
O link da notícia no New York Times segue:
http://www.nytimes.com/2010/04/14/us/14abortion.html?hpw
sábado, 10 de abril de 2010
Aposentadoria do Juiz Stevens
Vale a pena ler a notícia: aposentadoria do Juiz da Suprema Corte dos EUA, John Paul Stevens.
http://www.nytimes.com/2010/04/10/opinion/10sat1.html?hp
http://www.nytimes.com/2010/04/10/opinion/10sat1.html?hp
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Coisa Julgada Inconstitucional e STF
Considero muito interessante quando o STF aplica idéias como a "coisa julgada inconstitucional" num caso prático. Dá uma certa apreensão, ante a força dos argumentos da Ministra Ellen Gracie, os quais dão a sensação de que a instituição de um novo regime pode esvaziar o anterior. O julgamento a seguir foi gerado a partir de um caso do TRE do Ceará:
Recurso Extraordinário 590880/CE. Destaco alguns trechos:
"Observou que o exercício absoluto de um direito fundamental quase sempre não encontraria lugar na complexidade que emergiria da realidade, e que se reconheceria que, num Estado de Direito, mesmo os direitos mais caros e indispensáveis a uma determinada coletividade não poderiam ter seu pleno exercício garantido incondicionalmente, sob pena de nulificação de outros direitos igualmente fundamentais. Aduziu que tal reconhecimento seria fruto de amadurecimento, da evolução social e política de um povo, a demonstrar valores como o equilíbrio, a ponderação e a eqüidade. Daí, para a relatora, a utilidade do juízo de proporcionalidade ou de razoabilidade no exame das normas conformadoras de direitos fundamentais, que deveria passar pelo crivo dos critérios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Ao se referir ao § 5º do art. 884 da CLT, disse que, no caso sob exame, ter-se-ia, claramente, norma que viabilizaria a rediscussão de questão que, encerrada em sentença judicial transitada em julgado, já se encontraria submetida aos efeitos da coisa julgada. Seria, então, preciso verificar, para fins de reconhecimento da sua compatibilização com a ordem constitucional vigente, se a restrição nela contida estaria ou não autorizada pelo art. 5º, XXXVI, da CF. Registrou ser necessário considerar, nessa análise, que a restrição a direito fundamental constitucionalmente autorizada seria a estritamente indispensável para evitar o esvaziamento de outro direito fundamental. No caso, a lei criaria hipóteses nas quais a coisa julgada seria relativizada, assim como se daria com a ação rescisória, criada por lei cuja constitucionalidade teria sido reconhecida pelo Supremo. "
"Considerou que a criação de determinadas hipóteses em que o indivíduo não pudesse invocar a existência de coisa julgada teria por fundamento o respeito a outros dispositivos igualmente constitucionais. Salientou que a nociva manutenção de decisões divergentes do entendimento firmado por esta Corte também provocaria grave insegurança jurídica, o que violaria o art. 5º, XXXVI, da CF. Ademais, a continuidade no pagamento de parcelas que foram depois consideradas inconstitucionais pelo Supremo também estaria em confronto com o princípio da isonomia e a própria competência constitucional desta Corte. A respeito da utilização de instrumentos que possibilitariam a solução da divergência de decisões que tratassem de matéria constitucional, reportou-se ao RE 328812 ED/AM (DJE de 2.5.2008), e, ainda, ao RE 198604 EDv-ED/PR (DJE de 22.5.2009), no sentido de que o Supremo deve evitar a adoção de soluções divergentes, principalmente em relação a matérias exaustivamente discutidas por seu Plenário, já que a manutenção de decisões contraditórias comprometeria a segurança jurídica, por provocar nos jurisdicionados inaceitável dúvida quanto à adequada interpretação da matéria submetida a esta Corte. "
"Além disso, com a instituição de um novo regime jurídico, a remuneração do servidor deveria ser calculada de acordo com a nova previsão legal. Tal entendimento estaria de acordo com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual não é possível a conjugação de direitos do anterior e do novo sistema remuneratório, em razão da inexistência de direito adquirido a regime jurídico, devendo ser aplicada a mesma orientação aos efeitos de uma decisão judicial que reconhecesse o direito do servidor de receber determinada parcela remuneratória. Afirmou que, ainda que transitada em julgado, a sentença não poderia produzir efeitos após a instituição de um novo regime jurídico, sob pena de se reconhecer a existência de um regime híbrido, no qual o servidor receberia as vantagens previstas nos dois sistemas. Assim, concluiu que a decisão judicial somente poderia produzir efeitos antes da modificação de regime e que, no presente caso, estar-se-ia permitindo que uma decisão judicial que reconhecera o direito ao reajuste de março de 1990, de 84,32%, tivesse aplicação sobre todos os reajustes posteriores, indefinidamente, o que inadmissível"
Recurso Extraordinário 590880/CE. Destaco alguns trechos:
"Observou que o exercício absoluto de um direito fundamental quase sempre não encontraria lugar na complexidade que emergiria da realidade, e que se reconheceria que, num Estado de Direito, mesmo os direitos mais caros e indispensáveis a uma determinada coletividade não poderiam ter seu pleno exercício garantido incondicionalmente, sob pena de nulificação de outros direitos igualmente fundamentais. Aduziu que tal reconhecimento seria fruto de amadurecimento, da evolução social e política de um povo, a demonstrar valores como o equilíbrio, a ponderação e a eqüidade. Daí, para a relatora, a utilidade do juízo de proporcionalidade ou de razoabilidade no exame das normas conformadoras de direitos fundamentais, que deveria passar pelo crivo dos critérios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Ao se referir ao § 5º do art. 884 da CLT, disse que, no caso sob exame, ter-se-ia, claramente, norma que viabilizaria a rediscussão de questão que, encerrada em sentença judicial transitada em julgado, já se encontraria submetida aos efeitos da coisa julgada. Seria, então, preciso verificar, para fins de reconhecimento da sua compatibilização com a ordem constitucional vigente, se a restrição nela contida estaria ou não autorizada pelo art. 5º, XXXVI, da CF. Registrou ser necessário considerar, nessa análise, que a restrição a direito fundamental constitucionalmente autorizada seria a estritamente indispensável para evitar o esvaziamento de outro direito fundamental. No caso, a lei criaria hipóteses nas quais a coisa julgada seria relativizada, assim como se daria com a ação rescisória, criada por lei cuja constitucionalidade teria sido reconhecida pelo Supremo. "
"Considerou que a criação de determinadas hipóteses em que o indivíduo não pudesse invocar a existência de coisa julgada teria por fundamento o respeito a outros dispositivos igualmente constitucionais. Salientou que a nociva manutenção de decisões divergentes do entendimento firmado por esta Corte também provocaria grave insegurança jurídica, o que violaria o art. 5º, XXXVI, da CF. Ademais, a continuidade no pagamento de parcelas que foram depois consideradas inconstitucionais pelo Supremo também estaria em confronto com o princípio da isonomia e a própria competência constitucional desta Corte. A respeito da utilização de instrumentos que possibilitariam a solução da divergência de decisões que tratassem de matéria constitucional, reportou-se ao RE 328812 ED/AM (DJE de 2.5.2008), e, ainda, ao RE 198604 EDv-ED/PR (DJE de 22.5.2009), no sentido de que o Supremo deve evitar a adoção de soluções divergentes, principalmente em relação a matérias exaustivamente discutidas por seu Plenário, já que a manutenção de decisões contraditórias comprometeria a segurança jurídica, por provocar nos jurisdicionados inaceitável dúvida quanto à adequada interpretação da matéria submetida a esta Corte. "
"Além disso, com a instituição de um novo regime jurídico, a remuneração do servidor deveria ser calculada de acordo com a nova previsão legal. Tal entendimento estaria de acordo com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual não é possível a conjugação de direitos do anterior e do novo sistema remuneratório, em razão da inexistência de direito adquirido a regime jurídico, devendo ser aplicada a mesma orientação aos efeitos de uma decisão judicial que reconhecesse o direito do servidor de receber determinada parcela remuneratória. Afirmou que, ainda que transitada em julgado, a sentença não poderia produzir efeitos após a instituição de um novo regime jurídico, sob pena de se reconhecer a existência de um regime híbrido, no qual o servidor receberia as vantagens previstas nos dois sistemas. Assim, concluiu que a decisão judicial somente poderia produzir efeitos antes da modificação de regime e que, no presente caso, estar-se-ia permitindo que uma decisão judicial que reconhecera o direito ao reajuste de março de 1990, de 84,32%, tivesse aplicação sobre todos os reajustes posteriores, indefinidamente, o que inadmissível"
Assinar:
Postagens (Atom)
TJGO - Ausência de retirada de tornozeleira eletrônica
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCESSO DE PRAZO NO MONITORAMENTO ELETRÔNICO DO PACIENTE. Retirada da tornoz...
-
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCESSO DE PRAZO NO MONITORAMENTO ELETRÔNICO DO PACIENTE. Retirada da tornoz...
-
Prezados, Pensei nessa postagem em analisar a virada de ano objetivamente. Iniciaria dizendo que o tempo não existe, sendo categoria do pens...