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terça-feira, 8 de agosto de 2017
STJ - crime e contratação temporários
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 71.794 - MG (2016/0147599-4)
RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS
RECORRENTE : MARCOS BELLAVINHA
ADVOGADO : HUGO LEONARDO GOMES SILVEIRA - MG100611
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM
HABEAS CORPUS. PREFEITO. ART. 1º, XIII, DO DECRETO-LEI
201/67. NORMA PENAL EM BRANCO HOMOGÊNEA
HETERÓLOGA. LEI MUNICIPAL FLAGRANTEMENTE
INCONSTITUCIONAL. PRESUNÇÃO DE CON
STITUCIONALIDADE DAS LEIS. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO
PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE DE
UTILIZAÇÃO DA NORMA MUNICIPAL COMO COMPLEMENTO
NORMATIVO DO TIPO PENAL, INTERPRETADA À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO. CRIME FORMAL. IRRELEVÂNCIA DE
PREJUÍZO À ADMINISTRAÇÃO OU VANTAGEM AO PREFEITO.
SUFICIÊNCIA DO DOLO DE BURLA À REGRA DO CONCURSO.
CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS DA QUANTIDADE DE
CONTRATAÇÕES PERMITEM INFERIR A FABRICAÇÃO DA
NECESSIDADE DA CONTRATAÇÃO. INEXISTÊNCIA DO
REQUISITO CONSTITUCIONAL DA TEMPORARIEDADE DA
NECESSIDADE. AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO
DEMONSTRADA. RECURSO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência dos tribunais superiores admite o trancamento do
inquérito policial ou de ação penal, excepcionalmente, nas hipóteses em
que se constata, sem o revolvimento de matéria fático-probatória, a
ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade, a atipicidade
da conduta ou a extinção da punibilidade, o que não se observa neste caso.
Precedentes.
2. O crime do art. 1º, XIII, do Decreto-lei 201/1967 é norma penal em
branco homogênea heteróloga, pois condiciona a adequação típica ao
disposto no ordenamento jurídico acerca da investidura em cargo ou
emprego público, que varia em cada ordem jurídica que compõe a
Federação, limitadas pelas normas constitucionais extensíveis e
estabelecidas da Constituição da República.
3. A CRFB/88 instituiu o “princípio do concurso público”, que
condiciona a investidura em cargo ou emprego público à prévia aprovação
em concurso público, como dispõe seu art. 37, II. Contudo, a própria
Constituição excepciona a regra, elencando hipóteses taxativas de
admissão em cargo público diretamente, sem concurso público: cargos em
comissão (art. 37, II); contratação temporária (art. 37, IX); cargos eletivos;
nomeação de alguns juízes de tribunais, desembargadores, e ministros de
tribunais superiores; agentes comunitários de saúde e agentes de combate
às endemias (art. 198, § 4º); e ex-combatentes (art. 53, I, do ADCT).
4. O inciso IX do art. 37 da CRFB é norma constitucional de eficácia
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limitada, dependendo, portanto de lei para produzir todos os seus efeitos.
Trata-se de verdadeira reserva legal qualificada, pois o legislador
constituinte estabeleceu balizas e condicionantes à regulamentação da
prescindibilidade do concurso público pelo legislador ordinário de cada
ente federativo. Por conseguinte, para ser constitucional a lei
regulamentada e, por corolário, válido o ato administrativo da admissão
com fundamento no inciso IX, deve haver a) previsão legal de prazos
máximos, ou seja, o exercício da função pública deve se dar por prazo
determinado; b) processo seletivo simplificado para a contratação; c)
objetivo de atender a necessidade temporária, ainda que a atividade seja de
caráter regular ou permanente; d) e, finalmente, a atuação do
administrador deve estar fundada em excepcional interesse público.
5. A Lei 435/99, do Município de Caranaíba/MG, não está, pois, em plena
conformidade com o mandado constitucional, bem como a jurisprudência
do STF sobre o tema, como demonstra o trecho colacionado, porquanto é
exageradamente genérica e imprecisa quanto às hipóteses permitidas de
contratação temporária, em especial os incisos I, II, IV, VI e VII, do art.
2º. Outrossim, não há fixação de prazos limites de duração do contrato e
inexiste previsão de procedimento seletivo prévio e simplificado. De
qualquer maneira, à luz da presunção da constitucionalidade das leis,
porquanto inexistente declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, malgrado a desconformidade da Lei municipal
com os parâmetros constitucionais, por vício de proteção insuficiente
moralidade pública e indisponibilidade do interesse público, a norma
proibitiva do art. 1º, XIII, do Decreto-Lei 201/1967 foi devidamente
delimitada por seu complemento normativo, que explicita a elementar
"contra expressa disposição de lei", o que torna possível aferir a tipicidade
da conduta do paciente. Ressalte-se, contudo, que a Lei 435/99 deve ser
interpretada em conformidade com a Constituição, em especial nas
hipóteses legais em que se admite a contratação temporária, tendo como
limitador de sua amplitude semântica a temporariedade da necessidade da
contratação, ainda que a atividade legalmente autorizada seja de caráter
regular ou permanente.
6. O crime do art. 1º, XIII, do Decreto-Lei 201/1967 é formal, porque
basta a conduta de admitir, nomear ou designar pessoa para exercer cargo
ou função pública em desconformidade com a legislação pertinente,
independente do prejuízo à Administração Pública ou vantagem ao
prefeito para sua consumação. Outrossim, não há qualquer elemento
subjetivo do tipo, a indicar intenção especial do prefeito em cometer a
conduta típica, portanto, despicienda é a intenção de causar danos ao
erário, sendo suficiente o dolo de burla ao mandado constitucional do
concurso público, nos termos da legislação aplicada, para a nomeação,
admissão ou designação de servidor. Perceba que essa conclusão é
corolário do bem jurídico tutelado, que é, essencialmente, a moralidade
administrativa e a impessoalidade, não o patrimônio público, que, se
lesado, corresponde a mero exaurimento do crime em tela.
7. Nos termos da denúncia e do parecer do Ministério Público Federal,
que teve acesso aos autos originários, os cargos preenchidos atendem às
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situações voltadas à área de saúde e educação (médico, enfermeiro,
professor) e funções meramente burocráticas ou administrativas, como
serviços gerais, lavadeiras de roupa, serventes escolares, auxiliares de
informática, vigias e motoristas. Conclui-se, pois, que a contratação direta
pelo recorrente, sob o título de contratação de necessidade temporária de
excepcional interesse público, não observou sequer as genéricas hipóteses
do art. 2º da Lei municipal 435/99, interpretada à luz da Constituição. As
justificativas utilizadas resumiram-se à insuficiência de servidores no
quadro de pessoal do Município com a qualificação adequada, até mesmo
para funções de serviços gerais, como operários, lavadeiras de roupa, vigia
e motorista. As funções a serem exercidas por vários dos contratados sem
concurso público denotam a incompatibilidade de adequação às hipóteses
do art. 2º da Lei municipal 435/99 (I- atender situações de calamidade
pública; II- combater a surtos epidêmicos; III- substituir professor; IVatender
a casos em que haja prejuízo ou perturbação na prestação de
serviços públicos essenciais; V- substituição de motorista e telefonista, no
impedimento e período de férias prêmio ou regulamentares de titulares de
cargos ou detentores de função pública; VI- trabalhadores braçais,
pedreiros, serventes e faxineiras; VII- outros serviços de comprovada
necessidade), porquanto não apontou a necessidade temporária
extraordinária do serviço, ainda que nas atividades de caráter regular ou
permanente do caso em análise, muito menos o excepcional interesse
público na contratação.
8. Ademais, o recorrente tinha plena consciência de que a contratação de
servidores temporários deveria atender a situações restritas, tanto que
firmou Termo de Ajustamento de Conduta - TAC com o Ministério
Público de Minas Gerais, reconhecendo "que existem servidores
contratados sem concurso público nos quadros da Prefeitura Municipal
de Caranaíba, o que reclama imediata regularização, inclusive com
eventual realização de concurso público", e se comprometendo a
dispensar todos os servidores que foram contratados de forma irregular e
providenciar a realização de certames, mesmo nos casos de necessidade
temporária e de excepcional interesse público, realizando processo seletivo
simplificado, sujeito a ampla divulgação. Entrementes, a despeito do TAC
firmado, voltou a realizar diversas contratações irregulares, sob o singelo
argumento de que procedia com base na Lei Municipal de Caranaíba -
MG.
9. A descrição pelo dominus litis das circunstâncias concretas de
contratação de inúmeros agentes pelo paciente sem concurso, com funções
completamente incompatíveis com as hipóteses alegadas de contratação de
necessidade temporária de excepcional interesse público, são elementos de
informação indiciários que explicitam claramente, por relação inferencial
de segundo grau, o dolo de burlar a regra do concurso público. Ao que
tudo indica, houve por fabricada a necessidade de contratação pela inércia
em regularizar o quadro de pessoal, como previsto no TAC, o que torna
inviável a caracterização dessas contratações como temporárias. Desse
modo, in status assertionis do narrado na denúncia, grande parte das
nomeações e designações não se subsumem, sequer em tese, a nenhuma
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das exceções constitucionais, e respectiva regulamentação
infraconstitucional, o que revela a ciência da ilegalidade das nomeações e,
por consequência, o pleno conhecimento de todas as elementares do tipo
penal
10. Recurso desprovido.
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